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sábado, 22 de outubro de 2011

quinta-feira, 20 de outubro de 2011


Nossa quem é você?...
Quem é você que me surpreende sem querer?
Quem é você que com seu jeito meigo, doce me faz sofrer?
Quem é você que a cada dia me faz viver?
Quem é você que tem um pouco de anjo me acalma?
Quem é você que tem um pouco de santa toca minh’alma?
Quem é você que faz milagre em mim, me salva?
Quem é você minha pequena, doce ternura?
Quem é você de voz tenra, pura?
Quem é você que com seu olhar me censura?
Quem é você que faz arder meu coração?
Quem é você que causa tanta emoção?
Quem é você que atenta paixão?
Quem é você que faz lágrimas de meus olhos cair?
Quem é você que com poucas palavras me faz sorrir?
Quem é você que me mostra o caminho por aonde eu ir?
Quem é você que é tudo em minha vida?
Quem é você que cura minha ferida?
Quem é você?

Ah! Sim... É minha grande amiga!

(Antonio Aparecido Pavanelli)

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Sobre Trovadorismo

O trovadorismo é a primeira manifestação literária da língua portuguesa. Seu surgimento ocorre no mesmo período em que Portugal começa a se despontar como nação livre, no século XII; porém, as suas origens dão-se na Provença, de onde vai se espalhar por praticamente toda a Europa. Apesar disso a lírica medieval galego-portuguesa vai possuir características próprias e um grande productividade e número considerável de autores conservados

As Origens do Trovadorismo Galego-Português

A mais antiga manifestação literária galego-portuguesa que se tem notícia é a "Cantiga da Ribeirinha", também chamada de "Cantiga da Garvaia", composta por Paio Soares de Taveirós provavelmente no ano de 1189 (ou 1198, há rasuras na datação).
Por essa cantiga ser a mais antiga registrada, convem-se datar daí o início do Lírica medieval galego-portuguesa. Ela se estende até o ano de 1418, quando se inicia o Quinhentismo em Portugal e na Galiza se inicam os chamados Séculos Escuros.
Trovadores eram aqueles que compunham as poesias e as melodias que as acompanhavam, e cantigas são as poesias cantadas. Quem tocava e cantava as poesias recebia o nome de Jogral (normalmente o Jogral era o próprio trovador).
As cantigas eram manuscritas e colecionadas nos chamados Cancioneiros (eram livros antigos, que reuniam grande número de trovas). São conhecidos três Cancioneiros: o "Cancioneiro da Ajuda", o "Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa" e o "Cancioneiro da Vaticana".
Os Tipos de Cantigas
Dentro do Trovadorismo galego-português, as cantigas costumam ser divididas em:
a) Líricas: Cantigas de Amor e Cantigas de Amigo
b) Satíricas: Cantigas de Escárnio e Cantigas de Maldizer A cantiga mais antiga é a da Ribeirinha,
A Cantiga de Amor
Neste tipo de cantiga, o eu-lírico é masculino, e ele sempre canta as qualidades de seu amor, à quem ele trata como superior, para ele:
ela é a suserana
ele é o vassalo
reproduzindo, portanto, o sistema hierárquico feudal.
Ele canta a dor de amar e não ser correspondido (chamada de coita), e é a sua amada a quem ele se submete, e "presta serviço", e, por isso, espera benefício (escrito ben nas trovas).
A Cantiga de Amigo
Este tipo de cantiga não surgiu em Provença como as outras, teve suas origens na Península Ibérica. Nela, o eu-lírico é uma mulher (isso não quer dizer que quem a compunha era mulher), que canta seu amor pelo amigo (amigo = namorado) e se encontra acompanhada de sua mãe e amigas.
Normalmente, ela lamenta nas cantigas a ausência do amado. Outra diferença da cantiga de amor, é que nela não há a relação Suserano x Vassalo, ela é uma mulher do povo.
A Cantiga de Escárnio
Na cantiga de escárnio, o eu-lírico faz uma sátira:
1º a alguma pessoa;
2º de forma indireta;
3º cheia de duplos sentidos;
4º o nome da pessoa satirizada não é revelado.
A Cantiga de Maldizer
Ao contrário da cantiga de escárnio, a cantiga de maldizer traz:
1º uma sátira direta e sem duplos sentidos;
2º é comum a agressão verbal à pessoa satirizada;
3º e muitas vezes são utilizados palavrões;
4º o nome da pessoa satirizada pode ou não ser revelado.
Trovadores
Na lírica galego-portuguesa destacam-se:
- Dom Dinis
- Dom Duarte
- João Garcia de Guilhade
- Paio Soares de Taveirós
- Meendinho
- Martim Codax
Trovadorismo (Portugal:1189/1198-1418)
Período compreendido entre os séculos XII e XV correspondente à Idade Média, caracterizado por um sistema social denominado feudalismo.
Três camadas rigidamente distintas marcam a hierarquia da sociedade feudal:
Nobreza - detinha o poder sobre as terras e as pessoas que nela trabalhavam (vassalagem)
Clero - extremamente rico, graças à posse de grandes extensões territoriais
Povo - classe numericamente maior porém politicamente a menos importante
Os senhores feudais (nobres) eram proprietários dos feudos, aldeias circundadas por terras cultiváveis; nessas terras o povo trabalhava.
A terra era o índice da fortuna de um homem e era disputada constantemente através de guerras.
Para se defender os nobres contratavam guerreiros, formando espécie de exercito, que eram pagos em terra.
Dessa troca, surge a figura do vassalo, homem que, ao receber o feudo, jurava fidelidade e serviço ao seu senhor e essa relação denominas-se vassalagem.
A possibilidade de passagem de uma classe para outra era praticamente impossível, pois qualquer tentativa nesse sentido eqüivalia a contrariar a vontade de Deus.
A figura de Deus domina toda a cultura da época, gerando uma visão de mundo baseada no teocentrismo, ou seja, Deus como o centro do Universo.
A Igreja medieval exprimia o modo de pensar da classe dominante e se baseava na idéia de que a natureza humana é apenas uma expressão da vontade divina.
A autoridade da Igreja, dominando a cultura medieval, levou a uma concepção de mundo segundo a qual todas as coisas terrenas estão ligadas ao mundo divino.
O homem é colocado num plano subalterno, sendo a salvação da alma sua preocupação básica.
O poeta da época era chamado trovador e as poesias eram feitas para serem cantadas, e por isso chamadas de cantigas.
Haviam dois tipos:
a) lirico-amorosa: cantiga de amor e cantiga de amigo
b) satírica: cantiga de escárnio e cantiga de maldizer
Uma cantiga, que ficou conhecida como "A Ribeirinha", escrita por Paio Soares de Taveiros dedicada a Maria Pais Ribeiro, escrito em 1198, é o mais antigo documento escrito em língua portuguesa.
O fim desse período é didaticamente determinado pela data de 1418, ano em que Dom Duarte nomeou Fernão Lopes como conservador do arquivo do Reino (Guarda-Mor da Torre do Tombo).
__________________
Texto de: tiosamenciclopedia

A profecia

Um homem morava à beira da estrada e vendia cachorros quentes.

Sua audição não era perfeita e, por isso, não ouvia rádio. Sofria da vista; portanto, não lia jornais.

Mas vendia saborosos cachorros quentes!

E o homem punha, próximo à rodovia, uma tabuleta que anunciava a boa qualidade deles.

Postava-se à borda do caminho e bradava com sorriso nos lábios e brilho nos olhos:

- Compre um cachorro quente, senhor!

E, assim, aumentou suas vendas e suas encomendas de carne e pãezinhos.

Adquiriu um fogão maior a fim de atender bem à freguesia.
Tudo sempre com muita Qualidade, entusiasmo, otimismo e prazer.
E custeou o estudo do filho com as vendas dos cachorros quentes...
Mas, então, algo aconteceu...

Disse-lhe o filho "letrado" e "realista":

- Pai, não tem ouvido rádio? Se o dinheiro escassear ficaremos, com certeza, em má situação. Pode ser que sobrevenha grande crise econômica. Seria, pois, melhor preparar-se para um mau negócio.

Após o que o pai pensou:

- Bem, meu filho freqüenta o colégio. Lê jornais e ouve rádio. Logo, deve saber o que diz.

Assim, o pai diminuiu as encomendas de carne e pãezinhos para não correr mais riscos... Parou de fazer letreiros de propaganda para não gastar com as mesmas...

Também não mais se deu ao trabalho de postar-se à beira da estrada, na "vã" tentativa de cativar novos clientes...

E as vendas decresceram quase de um dia para outro.

- É... Você tinha razão - sentenciou o pai ao rapaz. - Sem dúvida, rumamos para uma depressão econômica...!



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terça-feira, 13 de setembro de 2011

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segunda-feira, 29 de agosto de 2011






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campanha pela vida: DIGA NÃO PARA O ABORTO..

vi no jornal que estão fazendo contagem da extinção feminina porque não fazem esta contagem também... onde irá parar nossas crianças...

Campanha do aborto - Um grito pela vida

hoje segunda-feira 29 de agosto de 2011...levantei muito triste ,tive muitos sonhos está noite e sonhos nem um pouco agradaveis,eu sou uma mãe e sou avó...e sou feliz por isso...na biblia em mateus cap19 verc.14 jesus diz:deixar os pequeninos,não os embaraceis de vir a mim,porque dos tais é o reino dos céus...pois é né isto segundo diz a biblia...mas axo que muitas mulheres mal amadas nesta vida,sem alma sem coração e sem conhecimento do que é o verdadeiro amor não sabem disso,não posso julgar os motivos de nimguém mas nada nesse mundo explica total crueldade nada pode explicar porque tamanha falta de amor,nem pobreza nem dificuldade nada...entao resolvi fazer está postagem pela vida de quem mais amamos,nossas crianças nosso futuro...SEI QUE COMO EU VC TAMBEM NÃO VAI GOSTAR DESSAS IMAGENS...



O que vem depois da morte - Catecismo da Igreja Católica

1020 O cristão, que une sua própria morte à de Jesus, vê a morte como um caminhar ao seu encontro e uma entrada na Vida Eterna. Depois de a Igreja, pela última vez, pronunciar as palavras de perdão da absolvição de Cristo sobre o cristão moribundo, selá-lo pela última vez com uma unção fortificadora e dar-lhe o Cristo no viático como alimento para a Viagem, diz-lhe com doce segurança estas palavras:

Deixa este mundo, alma cristã, em nome do Pai Todo-Poderoso que te criou, em nome de Jesus Cristo, o Filho de Deus vivo, que sofreu por ti, em nome do Espírito Santo que foi derramado em ti. Toma teu lugar hoje na paz e fixa tua morada com Deus na santa Sião, com a Virgem Maria, a Mãe de Deus, com São José, os anjos e todos os santos de Deus. (...) Volta para junto de teu Criador, que te formou do pó da terra. Que na hora em que tua alma sair de teu corpo se apressem a teu encontro Maria, os anjos e todos os santos. (...) Que possas ver teu Redentor face a face (...).

I. O Juízo Particular

1021 A morte põe fim à vida do homem como tempo aberto ao acolhimento ou à recusa da graça divina manifestada em Cristo. O Novo Testamento fala do juízo principalmente na perspectiva do encontro final com Cristo na segunda vinda deste, mas repetidas vezes afirma também a retribuição, imediatamente depois da morte, de cada um em função de suas obras e de sua fé. A parábola do pobre Lázaro e a palavra de Cristo na cruz ao bom ladrão assim como outros textos do Novo Testamento, falam de um destino último da alma pode ser diferente para uns e outros.

1022 Cada homem recebe em sua alma imortal a retribuição eterna a partir do momento da morte, num Juízo Particular que coloca sua vida em relação à vida de Cristo, seja por meio de uma purificação, seja para entrar de imediato na felicidade do céu, seja para condenar-se de imediato para sempre.

No entardecer de nossa vida, seremos julgados sobre o amor.

II. O Céu

1023 Os que morrem na graça e na amizade de Deus, e que estão totalmente purificados, vivem para sempre com Cristo. São para sempre semelhantes a Deus, porque o vêem “tal como ele é" (1Jo 3,2), face a face (1Cor 13,12):

Com nossa autoridade apostólica definimos que, segundo a disposição geral de Deus, as almas de todos os santos mortos antes da Paixão de Cristo (...) e de todos os outros fiéis mortos depois de receberem o santo Batismo de Cristo, nos quais não houve nada a purificar quando morreram, (...) ou ainda, se houve ou há algo a purificar, quando, depois de sua morte, tiverem acabado de fazê-lo, (...) antes mesmo da ressurreição em seus corpos e do juízo geral, e isto desde a ascensão do Senhor e Salvador Jesus Cristo ao céu, estiveram, estão e estarão no Céu, no Reino dos Céus e no paraíso celeste com Cristo, admitidos na sociedade dos santos anjos. Desde a paixão e a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, viram e vêem a essência divina com uma visão intuitiva e até face a face, sem a mediação de nenhuma criatura.



1024 Essa vida perfeita com a Santíssima Trindade, essa comunhão de vida e de amor com ela, com a Virgem Maria, os anjos e todos os bem-aventurados, é denominada "o Céu". O Céu é o fim último e a realização das aspirações mais profundas do homem, o estado de felicidade suprema e definitiva.

1025 Viver no Céu é "viver com Cristo". Os eleitos vivem "nele", mas lá conservam - ou melhor, lá encontram – sua verdadeira identidade, seu próprio nome.

"Vita est enim esse cum Christo; ideo ubi Christus, ibi vita, ibi regnum - Vida é, de fato, estar com Cristo; aí onde está Cristo, aí está a Vida, aí está o Reino".

1026 Por sua Morte e Ressurreição, Jesus Cristo nos "abriu" o Céu. A vida dos bem-aventurados consiste na posse em plenitude dos frutos da redenção operada por Cristo, que associou à sua glorificação celeste os que creram nele e que ficaram fiéis à sua vontade. O céu é a comunidade bem-aventurada de todos os que estão perfeitamente incorporados a Ele.

1027 Este mistério de comunhão bem-aventurada com Deus e com todos os que estão em Cristo supera toda compreensão e toda imaginação. A Escritura fala-nos dele em imagens: vida, luz, paz, festim de casamento, vinho do Reino, casa do Pai, Jerusalém celeste, Paraíso. "O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que o amam" (1Cor 2,9).

1028 Em razão de sua transcendência, Deus só poder ser visto tal como é quando Ele mesmo abrir seu mistério à contemplação direta do homem e o capacitar para tanto. Esta contemplação de Deus em sua glória celeste é chamada pela Igreja de "visão beatifica".

Qual não ser tua glória e tua felicidade: ser admitido a ver a Deus, ter a honra de participar das alegrias da salvação e da luz eterna na companhia de Cristo, o Senhor teu Deus (...) desfrutar no Reino dos Céus, na companhia dos justos e dos amigos de Deus, as alegrias da imortalidade adquirida.

1029 Na glória do Céu, os bem-aventurados continuam a cumprir com alegria a vontade de Deus em relação aos outros homens e à criação inteira. Já reinam com Cristo; com Ele “reinarão pelos séculos dos séculos" (Ap 22,5).

III. A purificação final ou Purgatório

1030 Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão completamente purificados, embora tenham garantida sua salvação eterna, passam, após sua morte, por uma purificação, a fim de obter a santidade necessária para entrar na alegria do Céu.

1031 A Igreja denomina Purgatório esta purificação final dos eleitos, que é completamente distinta do castigo dos condenados. A Igreja formulou a doutrina da fé relativa ao Purgatório, sobretudo no Concílio de Florença e de Trento. Fazendo referência a certos textos da Escritura, a tradição da Igreja fala de um fogo purificador:

No que concerne a certas faltas leves, deve-se crer que existe antes do juízo um fogo purificador, segundo o que afirma aquele que é a Verdade, dizendo, que, se alguém tiver pronunciado uma blasfêmia contra o Espírito Santo, não lhe será perdoada nem presente século nem no século futuro (Mt 12,32). Desta afirmação podemos deduzir que certas faltas podem ser perdoadas no século presente, ao passo que outras, no século futuro.



1032 Este ensinamento apoia-se também na prática da oração pelos defuntos, da qual já a Sagrada Escritura fala: "Eis por que ele (Judas Macabeu) mandou oferecer esse sacrifício expiatório pelos que haviam morrido, a fim de que fossem absolvidos de seu pecado" (2Mc 12,46). Desde os primeiros tempos a Igreja honrou a memória dos defuntos e ofereceu sufrágios em seu favor, em especial o sacrifício eucarístico, a fim de que, purificados, eles possam chegar à visão beatífica de Deus. A Igreja recomenda também as esmolas, as indulgências e as obras de penitência em favor dos defuntos:

Levemo-lhes socorro e celebremos sua memória. Se os filhos de Jó foram purificados pelo sacrifício de seu pai que deveríamos duvidar de que nossas oferendas em favor dos mortos lhes levem alguma consolação? Não hesitemos em socorrer os que partiram e em oferecer nossas orações por eles.



IV. O Inferno

1033 Não podemos estar unidos a Deus se não fizermos livremente a opção de amá-lo. Mas não podemos amar a Deus se pecamos gravemente contra Ele, contra nosso próximo ou contra nós mesmos: "Aquele que não ama permanece na morte. Todo aquele que odeia seu irmão é homicida; e sabeis que nenhum homicida tem a vida eterna permanecendo nele" (1 Jo 3,14-15). Nosso Senhor adverte-nos de que seremos separados dele se deixarmos de ir ao encontro das necessidades graves dos pobres e dos pequenos que são seus irmãos morrer em pecado mortal sem ter-se arrependido dele e sem acolher o amor misericordioso de Deus significa ficar separado do Todo-Poderoso para sempre, por nossa própria opção livre. E é este estado de auto­-exclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados que se designa com a palavra "inferno".

1034 Jesus fala muitas vezes da "Geena", do "fogo que não se apaga", reservado aos que recusam até o fim de sua vida crer e converter-se, e no qual se pode perder ao mesmo tempo a alma e o corpo. Jesus anuncia em termos graves que "enviar seus anjos, e eles erradicarão de seu Reino todos os escândalos e os que praticam a iniquidade, e os lançarão na fornalha ardente" (Mt 13,41-42), e que pronunciar a condenação: "Afastai-vos de mim malditos, para o fogo eterno!" (Mt 25,41).

1035 O ensinamento da Igreja afirma a existência e a eternidade do inferno. As almas dos que morrem em estado de pecado mortal descem imediatamente após a morte aos infernos, onde sofrem as penas do Inferno, "o fogo eterno". A pena principal do Inferno consiste na separação eterna de Deus, o Único em quem o homem pode ter a vida e a felicidade para as quais foi criado e às quais aspira.

1036 As afirmações da Sagrada Escritura e os ensinamentos da Igreja acerca do Inferno são um chamado à responsabilidade com a qual o homem deve usar de sua liberdade em vista de seu destino eterno. Constituem também um apelo insistente à conversão: "Entrai pela porta estreita, porque largo e espaçoso é o caminho que conduz à perdição. E muitos são os que entram por ele. Estreita, porém, é a porta e apertado o caminho que conduz à vida. E poucos são os que o encontram" (Mt 7,13-14):

Como desconhecemos o dia e a hora, conforme a advertência do Senhor, vigiemos constantemente para que, terminado o único curso de nossa vida terrestre, possamos entrar com ele para as bodas e mereçamos ser contados entre os benditos, e não sejamos, como servos maus e preguiçosos, obrigados a ir para o fogo eterno, para as trevas exteriores, onde haverá choro e ranger de dentes.

1037 Deus não predestina ninguém para o Inferno; para isso é preciso uma aversão voluntária a Deus (um pecado mortal) e persistir nela até o fim. Na Liturgia Eucarística e nas orações cotidianas de seus fiéis, a Igreja implora a misericórdia de Deus, que quer "que ninguém se perca, mas que todos venham a converter-se" (2Pd 3,9):

Recebei, ó Pai, com bondade, a oferenda de vossos servos e de toda a vossa família; dai-nos sempre a vossa paz, livrai-nos da condenação e acolhei-nos entre os vossos eleitos.



V. O Juízo Final

1038 A ressurreição de todos os mortos, "dos justos e dos injustos" (At 24,15), antecederá o Juízo Final. Este será "a hora em que todos os que repousam nos sepulcros ouvirão sua voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para uma ressurreição de vida; os que tiverem praticado o mal, para uma ressurreição de julgamento" (Jo 5,28-29). Então Cristo "virá em sua glória, e todos os anjos com Ele. (...) E serão reunidas em sua presença todas as nações, e Ele há de separar os homens uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos, e por as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda. (...) E irão estes para o castigo eterno, e os justos irão para a Vida Eterna" (Mt 25,31-33.46).

1039 É diante de Cristo - que é a Verdade - que será definitivamente desvendada a verdade sobre a relação de cada homem com Deus. O Juízo Final há de revelar até as últimas conseqüências o que um tiver feito de bem ou deixado de fazer durante sua vida terrestre:

Todo o mal que os maus praticam é registrado sem que o saibam. No dia em que "Deus não se calará" (Sl 50,3), voltar-se-á para os maus: "Eu havia", dir-lhes-á, "colocado na terra meus pobrezinhos para vós. Eu, seu Chefe, reinava no céu à direita do meu Pai, mas na terra os meus membros passavam fome. Se tivésseis dado aos meus membros, vosso dom teria chegado até a Cabeça. Quando coloquei meus pobrezinhos na terra, os constituí meus tesoureiros para recolher vossas boas obras em meu tesouro; vós, porém, nada depositastes em suas mãos, razão por que nada possuís junto a mim"

1040 O Juízo Final acontecerá por ocasião da volta gloriosa de Cristo. Só o Pai conhece a hora e o dia desse Juízo, só Ele decide de seu advento. Por meio de seu Filho, Jesus Cristo, Ele pronunciará então sua palavra definitiva sobre toda a história. Conheceremos então o sentido último de toda a obra da criação e de toda a economia da salvação, e compreenderemos os caminhos admiráveis pelos quais sua providência terá conduzido tudo para seu fim último. O Juízo Final revelará que a justiça de Deus triunfa de todas as injustiças cometidas por suas criaturas e que seu amor é mais forte que a morte.

1041 A mensagem do Juízo Final é apelo à conversão enquanto Deus ainda dá aos homens "o tempo favorável, o tempo da salvação" (2Cor 6,2). O Juízo Final inspira o santo temor de Deus. Compromete com a justiça do Reino de Deus. Anuncia a "bem-aventurada esperança" (Tt 2,13) da volta do Senhor, que “virá para ser glorificado na pessoa de seus santos e para ser admirado na pessoa de todos aqueles que creram (2Ts 1,10).

VI. A esperança dos céus novos e da terra nova

1042 No fim dos tempos, o Reino de Deus chegar à sua plenitude. Depois do Juízo Universal, os justos reinarão para sempre com Cristo, glorificados em corpo e alma, e o próprio universo será renovado:

Então a Igreja será "consumada na glória celeste, quando chegar o tempo da restauração de todas as coisas, e com o gênero humano também o mundo todo, que está intimamente ligado ao homem e por meio dele atinge sua finalidade, encontrará sua restauração definitiva em Cristo"

1043 Esta renovação misteriosa, que há de transformar a humanidade e o mundo, a Sagrada Escritura a chama de "céus novos e terra nova" (2Pd 3,13). Ser a realização definitiva do projeto de Deus de "reunir, sob um só chefe, Cristo, todas as coisas, as que estão no céu e as que estão na terra" (Ef 1,10).

1044 Neste "universo novo", a Jerusalém celeste, Deus terá sua morada entre os homens. "Enxugará toda lágrima de seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, e nem dor haverá mais. Sim! As coisas antigas se foram!" (Ap 21,4).

1045 Para o homem, esta consumação será a realização última da unidade do gênero humano, querida por Deus desde a criação e da qual a Igreja peregrinante era "como o sacramento". Os que estiverem unidos a Cristo formarão a comunidade dos remidos, a cidade santa de Deus (Ap 21,2), "a Esposa do Cordeiro" (Ap 21,9). Esta não será mais ferida pelo pecado, pelas impurezas, pelo amor-próprio, que destroem ou ferem a comunidade terrestre dos homens. A visão beatífica, na qual Deus se revelará de maneira inesgotável aos eleitos, será a fonte inexaurível de felicidade, de paz e de comunhão mútua.

1046 Quanto ao cosmos, a Revelação afirma a profunda comunidade de destino do mundo material e do homem:

Pois a criação em expectativa anseia pela revelação dos filhos de Deus (...) na esperança de ela também ser libertada da escravidão da corrupção (...). Pois sabemos que a criação inteira geme e sofre as dores de parto até o presente. E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, gememos interiormente, suspirando pela redenção de nosso corpo (Rm 8,19-23).

1047 Também o universo visível está, portanto, destinado a ser transformado, "a fim de que o próprio mundo, restaurado em seu primeiro estado, esteja, sem mais nenhum obstáculo, a serviço dos justos", participando de sua glorificação em Cristo ressuscitado.

1048 "Ignoramos o tempo da consumação da terra e da humanidade e desconhecemos a maneira de transformação do universo. Passa certamente a figura deste mundo deformada pelo pecado, mas aprendemos que Deus prepara uma nova morada e nova terra. Nela reinará a justiça, e sua felicidade irá satisfazer á e superar todos os desejos de paz que sobem aos corações dos homens."

1049 "Contudo, a expectativa de uma terra nova, longe de atenuar, deve impulsionar em vós a solicitude pelo aprimoramento desta terra. Nela cresce o corpo da nova família humana que já pode apresentar algum esboço do novo século. Por isso, ainda que o progresso terrestre se deva distinguir cuidadosamente do aumento do Reino de Cristo, ele é de grande interesse para o Reino de Deus, na medida em que pode contribuir para melhor organizar a sociedade humana. "

1050 "Com efeito, depois que propagarmos na terra, no Espírito do Senhor e por ordem sua, os valores da dignidade humana, da humanidade fraterna e da liberdade, todos estes bons frutos da natureza e de nosso trabalho, nós os encontraremos novamente, limpos, contudo, de toda impureza, iluminados e transfigurados, quando Cristo entregar ao Pai o reino eterno e universal. Deus será, então, "tudo em todos" (1 Cor 15,28), na Vida Eterna:

A vida, em sua própria realidade e verdade, é o Pai que, pelo Filho e no Espírito Santo, derrama sobre todos, sem exceção, dons celestes. Graças à sua misericórdia também nós, os homens, recebemos a promessa indefectível da Vida Eterna.

RESUMINDO

1051 Cada homem, em sua alma imortal, recebe sua retribuição eterna a partir de sua morte, em um Juízo Particular feito por Cristo, juiz dos vivos e dos mortos.

1052 "Cremos que as almas de todos os que morrem na graça de Cristo constituem o povo de Deus para além da morte, a qual será definitivamente vencida no dia da ressurreição, quando essas almas serão novamente unidas a seus corpos."

1053 "Cremos que a multidão daquelas que estão reunidas em torno de Jesus e de Maria no paraíso forma a Igreja do Céu, onde na beatitude eterna vêem a Deus tal como Ele é, e onde estão também, em graus diversos, associadas com os santos anjos ao governo divino exercido pelo Cristo na glória, intercedendo por nós e ajudando nossa fraqueza por sua solicitude fraterna."

1054 Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas não estão totalmente purificados, embora seguros de sua salvação eterna, passam depois de sua morte por uma purificação, afim de obter a santidade necessária para entrar na alegria de Deus.

1055 Em virtude da "comunhão dos santos", a Igreja recomenda os defuntos à misericórdia de Deus e oferece em favor deles sufrágios, particularmente o santo sacrifício eucarístico.



1056 Seguindo o exemplo de Cristo, a Igreja adverte os fiéis acerca da "triste e lamentável realidade da morte eterna, denominada também de "inferno".

1057 A pena principal do inferno consiste na separação eterna de Deus, o único em quem o homem pode ter a vida e a felicidade para as quais foi criado e às quais aspira.

1058 A Igreja ora para que ninguém se perca: "Senhor, não permitais que eu jamais seja separado de vós" Se é verdade que ninguém pode salvar-se a si mesmo, também é verdade que "Deus quer que todos sejam salvos" (1 Tm 2,4), e que para Ele "tudo é possível" (Mt 10,26).

1059 "A santíssima Igreja romana crê e confessa firmemente que no dia do juízo todos os homens comparecerão com seu próprio corpo diante do tribunal de Cristo para dar contas de seus próprios atos.”

1060 No fim dos tempos, o Reino de Deus chegar à sua plenitude. Então, os justos reinarão com Cristo para sempre, glorificados em corpo e alma, e o próprio universo material será transformado. Então Deus será "tudo em todos" (1 Cor 15,28), na Vida Eterna.


Menina estuprada de 9 anos é mãe mais jovem do Peru

Uma menina de nove anos deu à luz um menino neste sábado, fruto de um estupro, em um hospital público de Lima, informou o ministro peruano de Saúde, Carlos Vallejos.

O bebê nasceu com 2,520 kg e 47 cm e apresenta dificuldades respiratórias. Por isso, permanece na UTI.

A mãe precoce receberá ajuda psicológica, e seu filho terá toda assistência de que precisar, ressaltou o ministro Vallejos, após visitá-la.

"Ela permanecerá no hospital todo o tempo que for necessário até que seu filho e ela estejam em perfeitas condições", declarou.

A garota foi vítima de abuso sexual de um primo de 29 anos, em um povoado pobre da província de Pachitea, no departamento centro-andino de Huánuco.

O caso comoveu o Peru, quando sua gestação foi revelada em setembro passado, tornando-a a mãe mais jovem do país.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Obras de :Almeida Garrett


Acha-se desapontado o leitor com a prosaica sinceridade do A. destas viagens. O que devia ser uma estalagem nas nossas eras de literatura romântica. — Suspende-se o exame desta grave questão para tratar em prosa e verso, um mui difícil ponto de economia política e de moral social. — Quantas almas é preciso dar ao diabo e quantos corpos se têm de entregar no cemitério para fazer um rico neste mundo. — Como se veio a descobrir que a ciência deste século era uma grandessíssima tola. — Rei de fato e rei de direito. — Beleza e mentira não cabem num saco. — Põe-se o A. a caminho para o pinhal da Azambuja.

Vou desapontar decerto o leitor benévolo: vou perder, pela minha fatal sinceridade, quanto em seu conceito tinha adquirido nos dois primeiros capítulos desta interessante viagem.

Pois que esperava ele de mim agora, de mim que ousei declarar-me escritor nestas eras de romantismo, século das fortes sensações, das descrições e traços largos e incisivos que se entalham n’alma e entram com sangue no coração?

No fim do capítulo precedente paramos à porta de uma estalagem: que estalagem deve ser esta, hoje, no ano de 1843, às barbas de Vitor Hugo, com o Doutro Fausto a trotar na cabeça da gente, com os Mistérios de Paris nas mãos de todo o mundo?

Há paladar que suporte hoje a clássica posada do Cervantes com seu mesonero gordo e grave, as pulhas dos seus arrieiros, e o mantear de algum pobre lorpa de algum Sancho! Sancho, o invisível rei do século, aquele por quem hoje os reis reinam e os fazedores de lei decretam e oferecem o justo! Sancho manteado por vis muleteiros! Não é da época.

Eu coroarei de trevo a minha espada,(4)

de cenoiras, luzerna e beterrava.

Para cantar Harmódios e Aristógitons,

Que do tirano jugo vos livraram

Da ciência velha, inútil, carunchosa.

Que elevava da terra, erguia, alçava

O que no homem há do Ser divino,

E para os grandes feitos e virtudes

Lhe despegava o espírito da carne...

Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra, macadamizai estradas, fazeis caminhos de ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai. No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana? Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar a miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico? — Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas comissões de inquérito, já devia andar orçado o número de almas(5) que é preciso vender ao diabo, número de corpos que se tem de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Roberto Peel, um mineiro, um banqueiro, um granjeeiro, seja o que for: cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis.

Logo a nação mais feliz, não é a mais rica. Logo o princípio utilitário não é a mamona da injustiça e da reprovação. Logo...

There are more things in heaven and earth, Horatio.

Than are dreamt of in your phylosophy(6)

A ciência deste século é uma grandessíssima tola.

E, como tal. presunçosa e cheia de orgulho dos néscios.

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Vamos à descrição da estalagem. Não pode ser clássica, assobiam-me todos estes rapazes de pêra, bigode e charuto, que fazem literatura cava e funda deste a porta do Marrare até o café de Moscou...

Mas aqui é que me aparece uma incoerência inexplicável. A sociedade é materialista; e a literatura, que é a expressão da sociedade, é toda excessivamente e absurdamente e despropositadamente espiritualista! Sancho rei de fato, Quixote rei de direito.

Pois é assim; e explica-se. — É a literatura que é uma hipócrita; tem religião nos versos, caridade nos romances, fé nos artigos de jornais — como os que dão esmolas para pôr no Diário, que amparam órfãs na Gazeta, e sustentam viúvas nos cartazes dos teatros.

E falam no Evangelho! Deve ser por escárnio. Se o lêem, hão de ver lá que nem a esquerda deve saber o que faz a direita...

Vamos à descrição da estalagem; e acabemos com tanta digressão.

Não pode ser clássica, está visto, a tal descrição. — Seja romântica . — Também não pode ser. Por que não? É pôr-lhe lá um Chourineur a amolar um facão de palmo e meio para espatifar rês e homem, quanto encontrar, — uma Fleur de Marie(7) para dizer e fazer pieguices com uma roseirinha pequenina, bonitinha, que morreu, coitadinha! — e um príncipe alemão encoberto, forte no soco britânico, imenso em libras esterlinas, profundo em gírias de cegos e ladrões... e aí fica a Azambuja com uma estalagem que não tem que invejar à mais pintada e da moda neste século elegante, delicado, verdadeiro, natural!

E como eu devia fazer a descrição: bem o sei. Mas há um impedimento fatal, invencível — igual ao daquela formosa salva que se não deu... é que nada disso lá havia.

E eu não quero caluniar a boa gente da Azambuja. Que me não leiam os tais, porque eu hei de viver e morrer na fé de Boileau

Rien n’est beau que le vrai

Já se diz há muitos anos que honra e proveito não cabem num saco: eu digo que beleza e mentira também lá não cabem: e é a mais portuguesa tradução que creio que se possa fazer daquele imortal e evangélico hermistíquio. A maior parte das belezas da literatura atual fazem-me lembrar aquelas formosuras que tentavam os santos eremitas na Tebalda. O pobre de Santo Antão ou de S. Pacômio (Pacômio é melhor aqui) ficavam embasbacados no princípio; mas dava-lhe o coração uma pancada, olhavam-lhe para os pés... Cruzes, maldito! Os pés não podia ele encobrir. E ao primeiro abrenuntio do santo, dissipava-se a beleza em muito fumo de enxofre, e ficava o diabo negro, feio e cabrum com quem é, e sempre foi o pai da mentira.

Nada, nada, verdade e mais verdade. Na estalagem da Azambuja o que havia era uma pobre velha a quem eu chamei e bruxa, porque enfim que havia de eu chamar à velha suja e maltrapilha que estava à porta daquela asquerosa casa?

Havia lá esta velha, com a sua moça mais moça, não menos nojenta de ver que ela, e um velho meio paralítico, meio demente, que ali estava para um canto com todo o jeito e traça de quem vem folgar agora na taberna porque já bebeu o que havia de beber nela.

Matava-nos a sede: mas a água ali é beber quartãs. O vinho era atroz. Limonada? Não há limões nem açúcar. Mandou-se um próprio à tenda no fim da vila. Vieram três limões que me pareceram de uns que pendiam, quando eu vinha a férias, à porta do famoso botequim de Leiria.

O açúcar podia servir na última cena de M. de Pourceaugnac muito melhor que numa limonada. Mas misturou-se tudo com a água das sezões, bebemos, pusemo-nos em marcha, e até agora não nos fez mal, com o ser a mais abominável, antipática e suja beberagem que se pode imaginar.

Caminhamos na mesma ordem até chegar ao famoso pinhal da Azambuja.



IV
De como o A. foi passando e divagando, e em que pensava e divagava ele, no caminho da vila de Azambuja até o famoso pinhal do mesmo nome. — Do poeta grego e filósofo Dêmades, e do poeta e filósofo inglês Addison, da casaca de peneiros e do pálio ateniense, e de outros importantes assuntos em que o A. quis mostrar a sua profunda erudição. — Discute-se a matéria gravíssima se é necessário que um ministro de Estado seja ignorante e leigarraz. — Admiráveis reflexões de ziguezague em que se trata de re política e de re amatoria. — Descobre-se por fim que o A. estivera a sonhar em todo este capítulo, pede-se ao leitor que volte a folha e passe ao seguinte.

Eu darei sempre o primeiro lugar à modéstia entre todas as belas qualidades. Ainda sobre a inocência? Ainda sim. À inocência basta uma falta para a perder; da modéstia só culpas graves, só crimes verdadeiros podem privar. Um acidente, um acaso podem destruir aquela, a esta só uma ação própria, determinada e voluntária.

Bem me lembra ainda os dois versos do poeta Dêmades que são forte argumento de autoridade contra a minha teoria; cuidei que tinha mais infeliz memória. Hei de pô-los aqui para que não falte a esta grande obra das minhas Viagens o mérito da erudição, e lhe não chamem livrinho da moda: estou resolvido a fazer minha reputação com este livro.

De beleza e virtude é a cidadela

A inocência primeiro — e depois ela.

Mas a autoridade responde-se com autoridade, e a texto com texto. E eu trago aqui na algibeira o meu Addison — um dos poucos livros que não largo nunca — e atiro com o filósofo inglês ao filósofo grego e fico triunfante: porque Addison não põe nada acima da modéstia; e Addison, apesar da sua casaca de peneiros, é muito maior filósofo do que foi Dêmades com a sua túnica e o seu pálido ateniense.

O erudito e amável leitor escapará desta vez a mais citações: compre um Spectador, que é livro sem que se não pode estar, e veja passim.

Eu gosto, bem se vê, de ir ao encontro das objeções que me podem fazer, lembro-as eu mesmo para que depois não me digam: Ah! Ah! vinha a ver se pegava! Não senhor, não é o meu gênero esse.

Francamente pois... eis aí o que poderão dizer: Addison foi secretário de Estado, e então... Então o quê? Não concebem um secretário de Estado filósofo, um ministro poeta, escritor elegante, cheio de graça e de talento? Não, bem vejo que não: têm a idéia fixa de que um ministro de Estado há de ser por força algum sensaborão, malcriado e petulante. Mas isto é nos países adiantados em que já é indiferente para a coisa pública, em que povo nem príncipe lhes não importa já, em que mão se entregam, a que cabeças se confiam. Em Inglaterra não é assim, nem era assim no tempo de Addison. Fossem lá à rainha Ana(8) que deixasse entrar no seu gabinete quatro calças de coiro sem criação nem instrução, e não mais senão só porque este sabia jogar nos fundos, aquele tinha boas tretas para o canvassing de umas eleições, o outro era figura importante no Freemason’s hall!

Já se vê que em nada disso há a mínima alusão ao feliz sistema que nos rege: estou falando de modéstia e nós vivemos em Portugal.

A modéstia, contudo, quando é excessiva e se aproxima do acanhamento, ao que no mundo se chama falta de uso, pode ser num homem quase defeito inteiro. Na mulher é sempre virtude, realce da beleza às formosas, disfarce de feldade às que não o são.

Por mim, não conheço objeto mais lindo em toda a natureza, mais feiticeiro, mais capaz de arrebatar o espírito e inflamar o coração do que é uma jovem donzela quando a modéstia lhe faz subir o rubor às faces e o pejo lhe carrega brandamente nas pálpebras... Pouco lume que tenho nos olhos, pouco regular que seja o semblante, menos airosa que seja figura, parecer-vos-á nesse momento um anjo. E anjo é a virgem modesta, que traz no rosto debuxado sempre um céu de virtudes... De alguma beleza sei eu cujo olhos cor da noite ou de safira (Dialec. Poet. Vet.) cujas faces de leite e rosas, dentes de pérolas, colo de marfim, tranças de ébano (a alusão é sortida, há onde escolher) davam larga matéria a boas grosas de sonetos — no antigo regime dos sonetos, e hoje inspirariam miríades de canções descabeladas e vaporosas, choradas na harpa ou gemidas no alaúde. Contanto que não seja lira, que é clássico, todo o instrumento, inclusivamente a bandurra, é igual diante da lei romântica.

Ora pois, mas a tal beleza, por certo ar alamoda, certo não sei quê de atrevido nos olhos, de deslavado na cara e de descomposto nos ademanes, perde toda a graça e quase a própria formosura de que a dotara a natureza.

Vede-me aqueles lábios de carmim. Há maio florido que tão lindo botão de rosa apresente ao alvorecer da madrugada?... Mas olhai agora como o riso da malícia lho desfolha tão feiamente numa desconcertada risada...

Desvaneceu-se o prestígio.

Não havia moço nem velho, homem do mundo ou sábio de gabinete que não desse metade dos seus prazeres, dos seus livros, da sua vida por um só beijo daquela boca. Agora talvez nem repetidos advances lhe façam obter um namorante de profissão e ofício... E há de pagá-lo adiantado, e por que preço!

Mas o que terá tudo isto com a jornada de Azambuja ao Cartaxo? A mais íntima e verdadeira relação que é possível. É que a pensar ou a sonhar nestas coisas fui eu todo o caminho, até me achar no meio do pinhal da Azambuja.

Aí paramos, e acordei eu.

Sou sujeito a estas distrações, a este sonhar acordado. Que lhe hei de eu fazer? Andando, escrevendo: sonho e ando, sonho e falo, sonho e escrevo. Francamente me confesso de sonâmbulo, de soníloquo, de... Não, fica melhor com seu ar de grego (hoje tenho a bossa helênica num estado de tumescência pasmosa!); digamos sonílogo, sonígrafo...

A minha opinião sincera e conscienciosa é que o leitor deve saltar estas folhas, e passar o capítulo seguinte, que é outra casta de capítulo.

V
Chega o A. ao pinhal da Azambuja e não o acha. Trabalha-se por explicar este fenômeno pasmoso. Belo rasgo de estilo romântico. — Receita para fazer literatura original com pouco trabalho. — Transição clássica: Orfeu e o bosque de Mênalo. — Desce o A. destas grandes e sublimes considerações para as realidades materiais da vida: é desamparado pela hospitaleira traquitana e tem de cavalgar na triste mula de arrieiro. Admirável choito do animal. Memória do Marquês de F. que adorava o choito.

Este é que é o pinhal da Azambuja?

Não pode ser.

Esta, aquela antiga selva, temida quase religiosamente como um bosque druídico! E eu que, em pequeno, nunca ouvia contar história de Pedro de Mala-Artes que logo, em imaginação, lhe não pusesse a cena aqui perto!... Eu que esperava topar a cada passo com a cova do Capitão Roldão e da dama Leonarda!... Oh! que ainda me faltava perder mais esta ilusão...

Por quantas maldições e infernos adornam o estilo dum verdadeiro escritor romântico, digam-me, digam-me: onde estão os arvoredos fechados, os sítios medonhos desta espessura? Pois isto é possível, pois o pinhal da Azambuja é isto?... Eu que os trazia prontos e recortados para os colocar aqui todos os amáveis Salteadores de Schiller, e os elegantes facínoras de Auberge-des-Adrets, eu hei de perder os meus chefes d’obra! Que é perdê-los isto — não ter onde os pôr!

Sim, leitor benévolo, e por esta ocasião vou te explicar como nós hoje em dia fazemos a nossa literatura. Já não me importa guardar segredo; depois desta desgraça não me importa já nada. Saberás pois, ó leitor, como nós outros fazemos o que te fazemos ler.

Trata-se de um romance, de um drama — cuidas que vamos estudar a história, a natureza, os monumentos, as pinturas, os sepulcros, os edifícios, as memórias da época? Não seja pateta, senhor leitor, nem cuide que nós o somos. Desenhar caracteres e situações do vivo na natureza, colori-los das cores verdadeiras da história... isso é trabalho difícil, longo, delicado, exige um estudo, um talento, e sobretudo um tato!...

Não senhor: a coisa faz-se muito mais facilmente. Eu lhe explico.

Todo o drama e todo o romance precisa de:

Uma ou duas damas.

Um pai.

Dois ou três filhos, de dezenove a trinta anos.

Um criado velho.

Um monstro, encarregado de fazer as maldades.

Vários tratantes, e algumas pessoas capazes para intermédios.

Ora bem; vai-se aos figurinos franceses de Dumas, de Eug. Sue, de Vítor Hugo, e recorta a gente, de cada um deles, as figuras que precisa, gruda-as sobre uma folha de papel da cor da moda, verde, pardo, azul — como fazem as raparigas inglesas aos seus álbuns e scraapbooks, forma com elas os grupos e situações que lhe parece; não importa que sejam mais ou menos disparatados. Depois vai-se às crônicas, tiram-se um pouco de nomes e de palavrões velhos; com os nomes crismam-se os figurões, com os palavrões iluminaram...(estilo de pintor pintamonos). E aqui está como nós fazemos a nossa literatura original.

E aqui está o preciosos trabalho que eu agora perdi!

Isto não pode ser! Uns poucos pinheiros raros e enfezados através dos quais se estão quase vendo as vinhas e olivedos circunstantes!... è o desapontamento mais chapado e solene que nunca tive na minha vida — uma verdadeira logração em boa e antiga frase portuguesa.

E contudo aqui é que devia ser, aqui é que é, geográfica e topograficamente falando, o bem conhecido e confrontado sítio do pinhal da Azambuja.

Passaria por aqui algum Orfeu que, pelos mágicos poderes de sua lira, levasse atrás de si as árvores deste antigo e clássico Mênalo dos salteadores lusitanos.

Eu não sou muito difícil em admitir prodígios quando não sei explicar os fenômenos por outro modo. O pinhal da Azambuja mudou-se. Qual, de entre tantos Orfeus que a gente por aí vê e ouve, foi o que obrou a maravilha, isso é mais difícil de dizer. Eles são tantos, e cantam todos tão bem! Quem sabe? Juntar-se-iam, fariam uma companhia por ações, e negociariam um empréstimo harmônico com que facilmente se obraria então o milagre. É como hoje se faz tudo; é como se passou o tesouro para o banco, o banco para as companhias de confiança... por que se não faria o mesmo com o pinhal da Azambuja?

Mas onde está ele então? Faz favor de me dizer...

Sim senhor, digo: está consolidado. E se não sabe o que isto quer dizer, leia os orçamentos, veja a lista dos tributos, passe pelos olhos os votos de confiança; e se depois disto, não souber aonde e como se consolidou o pinhal da Azambuja, abandone a geografia que visivelmente não é a sua especialidade, e deite-se a finanças, que tem bossa; fazemo-lo eleger aí por Arcozelo ou pela cidade eterna — é o mesmo — vai para a comissão de fazenda — depois lorde do tesouro, ministro: é escala, não ofendia nem a rabugenta Constituição de 38, quanto mais a Carta.

O pior é que no meios destes campos onde Tróia fora, no meio destas areias onde se açoitavam dantes os pálidos medos do pinhal da Azambuja, a minha querida e benfazeja traquitana abandonou-me; fiquei como o bom Xavier de Maistre quando, a meia jornada de seu quarto, lhe perdeu a cadeira o equilíbrio, e ele caiu — ou ia caindo, já me não lembro bem — estatelado no chão.

Ao chão estive eu para me atirar, como criança amuada, quando vi voltar para a Azambuja o nosso cômodo veículo, e diante de mim a enfezada mulinha asneira que — ai triste! — tinha de ser o meu transporte dali até Santarém.

Enfim o que há de ser, há de ser, e tem muita força. Consolado com este tão verdadeiro quanto elegante provérbio, levantei o ânimo à altura da situação e resolvi fazer prova de homem forte e suportador de trabalhos. Bifurquei-me resignadamente sobre o cílicio do esfarrapado albardão, tomei na esquerda as impermeáveis rédeas e coiro cru, e lancei o animalejo ao seu mais largo trote, que era um confortável e ameníssimo choito, digno de fazer as delícias do meu respeitável e excêntrico amigo, o Marquês de F.

Tinham a bossa, a paixão, a mania, a fúria de choitar aquele notável fidalgo — o último fidalgo homem de letras que deu esta terra. Mas adorava o choito o nobre Marquês. Conheci-o em Paris nos últimos tempos da sua vida, já octogenário ou perto disso: deixava a sua carruagem inglesa toda molas e confortos para ir passear num certo cabriolé de praça que ele tinha marcado pelo seco e duro movimento vertical com que sacudia a gente. Obrigou-me um dia a experimentá-lo: era admirável. Comunicava-se da velha horsa normanda aos varais, e doas varias à concha do carro, tão inteiro e tão sem diminuição o choito do execrável Babieca! Nunca vi coisa assim. O Marquês achava-lha propriedades tonipurgativas, eu classifiquei-o de violentíssimo drástico.

Foi um dos homens mais extraordinários e o português mais notável que tenho conhecido, aquele fidalgo.

Era feio como o pecado, elegante como um bugio, e as mulheres adoravam-no. Filho segundo, vivia dos seus ordenados nas missões por que sempre andou, tratava-se grandiosamente, e legou valores consideráveis por sua morte. Imprimia uma obra sua, mandava tirar um único exemplar, guardava-o e desanchava as formas. Não acabo se começo a contar histórias do Marquês de F.

Fiquemos para o Cartaxo, que são horas.
Prova-se como o velho Camões não teve outro remédio senão misturar o maravilhoso da mitologia com o do Cristianismo. — Dá-se razão, e tira-se depois ao Padre José Agostinho. — No meio destas dissertações acadêmico-literárias vem o A. a descobrir que para tudo é preciso Ter f[é neste mundo. Diz-se neste mundo, porque, quanto ao outro já era sabido. — Os Lusiadas, o Fausto e a Divina Comédia — Desgraça do Camões em ter nascido antes do Romantismo. — Mostra-se como a Estige e o Cocito sempre são melhores sítios que o Inferno e o Purgatório. — Vai o A. em procura do Marquês de Pombal, e dá com ele nas ilhas Beatas do poeta Alceu. — Partida de uíste entre os ilustres finados. — Compaixão do Marquês pelos pobres homens de Ricardo Smith e J.B. Say. — Resposta dele e da sua luneta às perguntas peralvilhas do A. — Chegada a este mundo e ao Cartaxo.

O mais notável, e não sei se diga, se continuarei ao menos dizer, o mais indesculpável defeito que até aqui esgravataram os críticos e zoilos na Ilíada dos povos modernos, os imortais Lusíadas, é sem dúvida a heterogênea e heterodoxa mistura de teologia com a mitologia, do maravilhoso alegórico do paganismo, com os graves símbolos do Cristianismo. A falar a verdade, e por mais figas que a gente queira fazer ao Padre José Agostinho — ainda assim! ver o Padre Baco revestido in pontificalibus diante de um retábulo, não me lembra de que santo, dizendo o seu dominus vobuscum provavelmente a algum acólito bacante ou coribante, que lhe responde o et cum spiritu tuo!... não se pode; é um que realmente... E então aquele famoso conceito com que ele acaba, digno da Fênix Renascida:

O falso Deus adora o verdadeiro!

Desde que entendo, que leio, que admiro Os Lusíadas, enterneço-me, choro, ensoberbeço-me com a maior obra de engenho que apareceu no mundo, desde a Divina Comédia até ao Fausto.

O italiano tinha em fé em Deus, o alemão no cepticismo, o português na sua pátria. É preciso crer em alguma coisa para ser grande — não só poeta — grande seja no que for. Uma Brízida velha que eu tive quando era pequeno, era famosa cronista de histórias da carochinha, porque sinceramente cria em bruxas. Napoleão cria na sua estrela, Lafayette creu na república-rei de Luís Fillipe; e para que ousemos também celebrare doméstica facta, todos os nossos grandes homens ainda hoje crêem, um na Junta do Crédito, outro nas classes inativas, outro no mestre Adonirão, outro finalmente na beleza e na realidade do sistema constitucional que felizmente nos rege.

Mas essas crenças são para os que se fizeram grandes com elas. A um pobre homem o que lhe fica para crer? Eu, apesar dos críticos ainda creio no nosso Camões; sempre cri.

E contudo, desde a idade da inocência em que tanto me divertiam aquelas batalhas, aquelas aventuras, aquelas histórias de amores, aquelas cenas todas, tão naturais, tão bem pintadas — até esta fatal idade da experiência, idade prosaica em que as mais belas criações do espírito parecem macaquices diante das realidades do mundo, e os nobres movimentos do coração quimeras de entusiastas, até esta idade de saudades do passado e esperanças no futuro, mas sem gozos no presente, em que o amor da pátria (também isto será fantasmagoria?) e o sentimento íntimo do belo me dão na leitura dos Lusíadas outro deleite diverso mas não inferior ao que noutro tempo me deram — eu senti sempre aquele grande defeito do nosso grande poema; e nunca pude, por mais que buscasse, achar-lhe, justificação não digo — nem sequer desculpa.

Mas até morrer aprender, diz o adágio: e assim é. E também é aforismo de moral, aplicável outrossim a coisas literárias: que para a gente achar a desculpa aos defeitos alheios, é considerar — é pôr-se uma pessoa nas mesmas circunstâncias, ver-se envolvido nas mesmas dificuldades.

Aqui estou eu agora dando toda a desculpa ao pobre Camões, com vontade de o justificar, e pronto (assim são as caridades deste mundo) a sair a campo de lança em riste e a quebrá-la com todo antagonista que por aquele fraco o atacar. E por que será isto? Porque chegou a minha hora; e, si parva licet componere magnis ( a bossa proeminente hoje é a latina), aqui me acho com este meu capítulo nas mesmas dificuldades em que o nosso bardo se viu com o seu poema.

Já preveni as observações com o texto acima: bem sei quem era Camões e quem sou eu; mas trata-se da entalação, que é a mesma apesar da diferença dos entalados. o Autor dos Lusíadas viu-se entalado entre as crenças dos seu país e as brilhantes tradições da poesia clássica que tinha por mestra e modelo.

Não havia então românticos nem romantismo, o século estava muito atrasado. As odes de Vítor Hugo não tinham ainda desbancado as de Horácio; achavam-se mais líricos e mais poéticos os esconjuros de Canídia do que os pesadelos de um enforcado no oratório; chorava-se com as Tristes de Ovídio, porque se não lagrimejava com as Meditações de Lamartine. Andrômaca despedindo-se de Heitor às portas de Tróia, Príamo suplicante aos pés do matador de seu filho, Helena lutando entre o remorso do seu crime e o amor de Páris, não tinham sido ainda eclipsados pelas declamações da mãe Eva às grades do paraíso terreal. O combate de Aquiles e Heitor, das hostes argivas com as troianas, não tinha sido metido num chinelo pelas batalhas campais dos anjos bons e anjos maus à metralhada por essas nuvens. Dido chorando por Enéias não tinha sido reduzida a donzela choramingas de Alfama carpindo pelo seu Manel que vai para a Índia.

Realmente o século estava muito atrasado: Milton não se tinha ainda sentado no lugar de Homero, Shakespeare no de Eurípedes, e Lorde Byron acima de todos; enfim não estava ainda anglizado o mundo, portanto a marcha do intelecto no mesmo terreno, é tudo uma ,séria.

Ora pois o nosso Camões, criador da epopéia, e — depois de Dante — da poesia moderna, viu-se atrapalhado; misturou a sua crença religiosa com o seu credo poético e fez, tranchons le mot, uma sensaboria.

E aqui direi eu com o vate Elmano:

Camões, grande Camões, quão semelhante

Acho teu fado ao meu quando os cotejo

Vou fazer outra sensaboria, eu, neste belo capítulo da minha obra prima. Que remédio! Preciso falar com um ilustre finado, preciso de evocar a sombra de um grande gênio que hoje habita com os mortos. E aonde irei eu? Ao inferno? Espero que a divina justiça se apiedasse dele na hora dos últimos arrependimentos. Ao purgatório, ao empíreo? Apesar do exemplo da Divina Comédia, não me atrevo a fazer comédias com tais lugares de cena, — e não sei, não gosto de brincar com essas coisas.

Não lhe vejo remédio senão recorrer ao bem parado dos Elísios, da Estige, do Cocito e seu termo: são terrenos neutros em que se pode parlamentar com os mortos sem comprometimento sério e...

Eis-me aí no erro de Camões — e nas unhas dos críticos: e as zagunchadas a ferver em cima de mim, que fiz, que aconteci...

Mas, senhores, ponderem, venham cá: o que há de um homem fazer? O Dante não sei que gíria teve que batizou Públio Vírgilio Marão para lhe servir de cicerone nas regiões do inferno, do paraíso e do purgatório cristão, e teve tão boa fortuna que nem o queimou a Inquisição, nem o descompôs a Crusca, nem sequer o mutilaram os censores, nem o perseguiram delegados por abuso de liberdade de imprensa, nem o mandaram para os dignos pares... Não se tinham ainda descoberto as mangações liberais que se usam hoje: e as cartas que o povo tinha era a liberdade ganha e sustentada à ponta de espada, com muito coração e poucas palavras, muito patriotismo, poucas lei... e menos relatórios. Não havia em Florença nem gazeta para louvar as tolices dos ministros, nem ministros para pagar as tolices da gazeta.

O Dante foi proscrito e exilado, mas não se ficou a escrever, deu catanada que se regalou nos inimigos da liberdade da sua pátria.

Quem dera cá um batalhão de poetas como aquele!

Que fosse porém um triste vate de hoje escrever no século das luzes o que escrevia Dante no século das trevas! Os próprios filósofos gritavam: Que escândalo! Ateus professos clamavam contra a irreverência; gentes que não têm religião, nem a de Mafona, bradavam pela religião: entravam a pôr carapuças nas cabeças uns dos outros, caiam depois todos sobre o poeta, e, se o não pudessem enforcar, pelo menos declaravam-no republicano, que dizem eles que é uma injúria muito grande.

Nada! viva o nosso Camões e o seu maravilhoso mistifório; é a mais cômoda invenção deste mundo; vou-me com ela, e ralhe a crítica quanto quiser.

Quero procurar no reino as sombras não menor pessoa que o Marques de Pombal; tenho e lhe fazer uma pergunta séria antes chegar ao Cartaxo. E nós já vamos por entre as ricas vinhas que o circundam como uma zona de verdura e alegria. Depressa o ramo de oiro que me abra ao pensamento as portas fatais, — depressa a untuosa sopetarra com que hei de atirar às três gargantas do canzarrão. Vamos...

Mas em que distrito daquelas regiões acharei eu o primeiro-ministro de el-rei D. José? Por onde está Ixião e Tântalo, por onde demora Sísifo e outros manganões que tais? Não, esse é um bairro muito triste, e arrisca-se a Ter por administrador algum escandecido que me atice as orelhas.

Nos Elísios com o pai Anquises e outros barbaças clássicos do mesmo jaez? Eu sei? também isso não. Há de ser naquelas ilhas bem aventuradas de que fala o poeta Alceu e onde ele pôs a passear, por eternas verduras, as almas tiranicidas de Harmódio e Aristogíton...

Oh! esta agora!... Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras, Marquês de Pombal, de companhia com seus inimigos políticos!... Aí é que se enganam; não há amigos nem inimigos políticos em se largando o mando e as pretensões a ele. Ora, passado os umbrais da eternidade, é de fé que se não pensa mais nisso; C.J. X 1, que morreu a assinar uma portaria, já tinha largado a pena quando chegou ali pelos Prazeres;(9) quanto mais !...

O homem há de estar nas ilhas beatas. Vamos lá...

E ei-lo ali; lá está o bom do marquês a jogar o uíste com o Barão de Bidefeld, com o Imperador Leopoldo e com o poeta Dinis. A partida deve ser interessante, talvez aposte essa gente toda — esses manes todos que estão à roda; Que cara fez o marquês a uma finadinho que lhe foi meter o nariz nas cartas! Quem havia de ser! O intrometido de M. de Talleyrand. Estava-lhe caindo. Mas não viu nada: o nobre Marquês sempre soube esconder o seu jogo.

A mim é que ele já me viu.

— Que diz? Ah! ... sim senhor, sou português; e venho fazer uma pergunta a V.Ex.ª, esclarecer-me sobre um ponto importante.

Deitou-me a tremenda luneta.

— Para que mandou V.Ex.ª arrancar as vinhas do Ribatejo?

Apertou a luneta no sobrolho e sorriu-se.

— Elas aí estão centuplicadas, que até já invadiram o pinhal da Azambuja. Fez V.Ex.ª um despotismo inútil, e agora...

— Agora quem bebe por lá todo esse vinho?

Não sabia o que havia de responder. Ele sacudiu a cabeleira de anéis, virou-me as costas, deu o braço a Colbert, passou por pé de Ricardo Smith e de J. Batista Say, que estavam a disputar, encolheu os ombros em ar de compaixão, e foi-se por uma alameda muito viçosa que ia por aqueles deliciosos jardins dentro, e sumiu-se da nossa vista.

Eu surdi cá neste mundo, e achei-me em cima da azêmola, ao pé do grande café do Cartaxo.

VII
Reflexões importantes sobre o Bois de Boulogne, as carruagens de molas, Tortoni, e o café do Cartaxo. — Dos cafés em geral, e de como são característicos da civilização de um país. — O Alfageme. — Hecatombe imolada pelo A. — História do Cartaxo. — Demonstra-se como a Grã-Bretanha deveu sempre a sua força e toda a sua gl[ória a Portugal. — Shakespeare e Laffite, Milton e Châteaux-Margaux, Nelson e o Príncipe de Joinville. — Prova-se evidentemente que M. Guizot é a ruína de Albion e do Cartaxo.

Voltar à meia noite do Bois de Boulogne — o bosque por excelência , — descer, entre as nuvens de poeira, o longo estádio dos Campos Elísios , entrever, na rápida carreira, o obelisco de Lúxor, as árvores das Tulherias, a coluna da praça Vandome, a magnificência heteróclita da Madalena, e enfim sentir parar, de uma sofreada magistral, os dois possantes ingleses que nos trouxeram quase de um fôlego até ao bulevar de Gand; aí entreabrir molemente os olhos, levantando meio corpo dos regalados coxins de seda, e dizer: Ah! estamos em Tortoni... que delícia um sorvete com este calor! — é seguramente, é dos prazeres maiores desse mundo, sente-se a gente viver; é meia hora de existência que vale dez anos de ser rei em qualquer outra parte do mundo.

Pois acredite-me o leitor amigo, que sei alguma coisa dos sabores e dissabores deste mundo, fie-se na minha palavra, que é de homem experimentado: o prazer de chegar por aquele modo a Tortoni, o apear da elegante caleche balançada nas mais suaves molas que fabricasse arte inglesa do puro aço de Suécia, não alcança, não se compara ao prazer e consolação da alma e corpo que eu senti ao apear-me da minha choiteira mula à porta do grande café do Cartaxo.

Fazem idéia do que é o café do Cartaxo? Não fazem. Se não viajam, não saem, se não vêem mundo esta gente de Lisboa! E passam a sua vida entre o Chiado, a rua do Oiro e o teatro de S. Carlos, como hão de alargar a esfera de seus conhecimentos, desenvolver o espírito, chegar à altura do século?

Coroai-vos de alface, e ide jogar o bilhar, ou fazer sonetos à dama nova, ide que não prestais para nada, meus queridos lisboetas; ou discuti os deslavados horrores de algum melodrama velho que fugiu assobiado da Porte Saint-Martin e veio esconder-se na rua dos Condes. Também podeis ir aos Toiros — estão embolados, não há perigo...

Viajar?... qual viajar! até a Cova da Piedade, quando muito, em dia que lá haja cavalinhos. Pois ficareis alfacinhas para sempre, cuidando que todas as praças deste mundo são como a do Terreiro do Paço, todas as ruas como a rua Augusta, todos os cafés como o do Marrare.

Pois não são, não: e o do Cartaxo menos que nenhum.

O café é uma das feições mais características de uma terra. O viajante experimentado e fino chega a qualquer parte, entra no café, observa-o, examina-o, estuda-o, e tem conhecido o país em que está, o seu governo, as suas leis, os seus costumes, a sua religião.

Levem-me de olhos tapados onde quiserem, não me desvendem senão no café; e protesto-lhes que em menos de dez minutos lhes digo a terra em que estou se for país sublunar.

Nós entramos no café do Cartaxo, o grande café do Cartaxo, e nunca se encruzou turco em divã de seda do mais esplêndido café de Constantinopla, com tanto gozo de alma e satisfação de corpo, como nós nos sentamos nas duras e ásperas tábuas das esguias banquetas mal sarapintadas que ornam o magnífico estabelecimento bordalengo.

Em poucas linhas se descreve a sua simplicidade clássica: será um paralelogramo pouco maior que a minha alcova; à esquerda duas mesas de pinho, à direita o mostrador envidraçado onde campeiam as garrafas obrigadas de licor de amêndoa, de canela, de cravo. Pendem do teto laboriosamente arrendados por não vulgar tesoira, os pingentes de papel, convidando a lascivo repouso a inquieta raça das moscas. Reina uma frescura admirável naquele recinto.

Sentamo-nos, respiramos largo, e entramos em conversa com o dono da casa, homem de trinta a quarenta anos, de fisionomia esperta e simpática, e sem nada de repugnante vilão ruim que é tão usual de encontrar por semelhantes lugares da nossa terra.

— Então que novidades há por cá pelo Cartaxo, patrão?

— Novidades! Por aqui não temos senão o que vem de Lisboa. Aí está a Revolução de ontem...

— Jornais, meu caro amigo! Vimos fartos disso. Diga-nos alguma coisa da terra. Que faz por cá o ...

— O mestre J.P., o Alfageme?

— Como assim o Alfageme?

— Chama-lhe o Alfageme ao mestre J.P.; pois então! Uns senhores de Lisboa que aí estiveram em casa do Sr. D. puseram-lhe esse nome, que a gente bem sabe o que é; e ficou-lhe, que agora já ninguém lhe chama senão o Alfageme. Mas, quanto a mim, ou ele não é Alfageme, ou não o há de ser por muito tempo. Não é aquele não. Eu bem me entendo.

A conversação tornava-se interessante, especialmente para mim: quisemos aprofundar o caso.

— Muito me conta, Sr. Patrão! Com que isto de ser Alfageme, parece-lhe que é coisa de...

— Parece-me o que é, e o que há de parecer a todo mundo. E algumas coisas sabemos cá no Cartaxo, do que vai por ele. O verdadeiro Alfageme diz que era um espadeiro ou armeiro, cutileiro ou coisa que o valha, na Ribeira de Santarém; e o que foi um homem capaz, que punia pelo povo, e que não queria saber de partidos, (10) e que dizia ele: “Rei que nos enforque, e papa que nos excomungue, nunca há de faltar. Assim, deixar os outros brigar, trabalhemos nós e ganhemos nossa vida”. Mas que estrangeiros que não queria, que esta terra que era nossa e com a nossa gente se devia governar. E mais coisas assim: e que por fim o deram por traidor e lhe tiraram quanto tinha. Mas que lhe valeu o Condestável e o não deixou arrasar, por era homem de bem e fidalgo às direitas. Pois não é assim que foi?

— É assim, meu amigo. Mas então daí?

— Então daí o que se tira é que quando havia fidalgos como o Santo Condestável também havia Alfagemes como o de Santarém. E mais nada.

— Perfeitamente. Mas por chamaram ao mestre P. o Alfageme de Cartaxo?

— Eu lhes digo aos senhores: o homem nem era assim, nem era assado. Falava bem, tinha sua lábia com o povo. Daí fez-se juiz, pôs por aí suas coisas a direito. — Deus sabe as que ele entortou também!... ganhou nome no povo, e agora faz dele o que quer. Se lhe der sempre para bem, bom será. Os senhores não tomam nada?

O bom do homem visivelmente não queria falar mais: e não devíamos importuná-lo. Fizemos o sacrifício do bom número de limões que esprememos em profundas taças — vulgo, copos de canada — e com água de açúcar, oferecemos as devidas libações ao gênio do lugar.

Infelizmente o sacrifício não foi de todo incruento. Muitas hecatombes de mirmidões caíram no holocausto, e lhe deram um cheiro e sabor que não sei se agradou à divindade, mas que enjoou terrivelmente aos sacerdotes.

Saímos a visitar o nosso bom amigo, o velho D., a honra e alegria do Ribatejo. Já ele sabia da nossa chegada, e vinha no caminho para nos abraçar.

Fomos dar, juntos, uma volta pela terra.

É das povoações mais bonitas de Portugal, o Cartaxo, asseada, alegre; parece o bairro suburbano de uma cidade.

Não há aqui monumentos, não há aqui história antiga; a terra é nova, e a sua prosperidade e crescimento datam de trinta ou quarenta anos, desde que seu vinho começou a ter fama. Já descaída do que foi pela estagnação daquele comércio, ainda é contudo a melhor coisa da Borda d’Água.

Não tem história antiga, disse; mas tem-na moderna e importantíssima.

Que memórias aqui não ficaram da guerra peninsular! Que espantosas borracheiras aqui não tomaram os mais famosos generais, os mais distintos militares da nossa antiga e fiel aliada, que ainda então, ao menos, nos bebia o vinho!

Hoje nem isso!... hoje bebe a jacobina zurrapa de Bordéus e as acerbas limonadas de Borgonha. Quem tal diria da conservativa Albion! Como pode uma leal goela britânica, rascada pelos ácidos anárquicos daquelas vinagretas francesas, entoar devidamente o God Save the King em um toast nacional! Como, sem Porto ou Madeira, sem Lisboa, sem Cartaxo, ousa um súdito britânico erguer a voz, naquela harmoniosa desafinação insular que lhe é própria e que faz parte do seu respeitável caráter nacional — faz; não se riam: o inglês não canta senão quando bebe... aliás quando está BEBIDO. Nisi potus ad arma ruisse. Inverta: Nisi potus in cantum prorumpisse... E pois, como há de ele assim bebido erguer a voz naquele sublime e tremendo hino popular Rule Britannia!.

Bebei, bebei bem zurrapa francesa, meus amigos ingleses; bebei, bebei a peso de oiro, essas limonadas dos burgraves e margraves de Alemanha; chamai-lhe, para vos iludir, chamai-lhe hoc, chamai-lhe hic, chamai-lhe o hic haec hoc todo, se vos dá gosto... que em poucos anos veremos o estado de acetato a que há de ficar reduzido o vosso caráter nacional.

Ó gente cega a quem Deus quer perder! Pois não vedes que não sois nada sem nós, que sem o nosso álcool, donde vos vinha espírito, ciência, valor, ides cair infalivelmente na antiga e preguiçosa rudeza saxônia!

Dessas traidoras praias de França donde vos vai hoje o veneno corrosivo da vossa índole e da vossa força, não tardará que também vos chegue outro Guilherme bastardo que vos conquiste e vos castigue, que vos faça arrepender, mais tarde, do criminoso erro que hoje cometeis, ó insulares sem fé, em abandonar a nossa aliança. A nossa aliança, sim, a nossa poderosa aliança, sem a qual não sois nada.

O que é um inglês sem Porto ou Madeira... sem Carcavelos ou Cartaxo?

Que se inspirasse Shakespeare com Laffitte, Milton com Château-Margaux — o chanceler Bacon que se diluísse no melhor Borgonha... e veríamos os acídulos versinhos, os destemperados raciocininhos que faziam. Com todas as suas dietas, Newton nunca se lembrou de beber Johannisberg: Byron anates beberia gim, antes água do Tâmisa, ou do Pamiso, do que essas escorreduras das áreas de Bordéus.

Tirai-lhe o Porto aos vossos almirantes, e ninguém mais teme que torneis a ter outro Nelson. Entra nos planos do Príncipe de Joinville fazer-vos beber da sua zurrapa; são tantos pontos de partido que lhe dais no seu jogo.

É M. Guizot quem perde a Inglaterra com sua aliança; e também perde o Cartaxo. Por isso eu já não quero nada com os doutrinários.

Há doze anos tornou o Cartaxo a figuras conspicuamente na história de Portugal. Aqui, nas longas e terríveis lutas da última guerra de sucessão, esteve muito tempo o quartel general do Marquês de Saldanha.

Alguns ditirambos se fizeram; alguns ecos das antigas canções báquicas do tempo da guerra peninsular ainda acordaram ao som dos hinos constitucionais.

Mas o sistema liberal, tirada a época das eleições, não é grande coisa para a indústria vinhateira, dizem. Eu não o creio, porém, e tenho minhas boas razões, que ficam para outra vez.

VIII

Saída do Cartaxo.— A charneca. Perigo iminente em que o A. se acha de dar em poeta e fazer versos.— Última revista do imperador D. Pedro ao exército liberal. – Batalha de Almoster.— Waterloo. — Declara o A. solenemente que não é filósofo e chega à ponte da Asseca.

Eram dadas cinco da tarde, a calma declinava, montamos a cavalo, e cortamos por entre os viçosos pâmpanos que são a glória e a beleza do Cartaxo; as mulinhas tinham refrescado e tomado ânimo; breve, nos achamos em plena charneca.

Bela e vasta planície! Desafogada dos raios do Sol, como ela se desenha aí no horizonte tão suavemente! que delicioso aroma selvagem que exalam estas plantas, acres e tenazes de vida, que a cobrem, e que resistem verdes e viçosas a um sol português de julho!

A doçura que mete na alma a vista refrigerante de uma jovem seara do Ribatejo nos primeiros dias de abril, ondulando lascivamente com a brisa temperada da Primavera, — a amenidade bucólica de um campo minhoto de milho, à hora da rega, por meados de agosto, a ver-se-lhe pular os caules com a água que lhe anda por pé, e à roda as carvalheiras classicamente desposadas com a vide coberta de racimos pretos — são ambos esses quadros de uma poesia tão graciosa e cheia de mimo, que nunca a dei por bem traduzida nos melhores versos de Teócrito ou de Virgílio, nas melhores prosas de Gessner ou de Rodrigues Lobo.

A majestade sombria e solene de um bosque antigo e copado, o silêncio e escuridão de suas moitas mais fechadas, o abrigo solitário de suas clareiras, tudo é grandioso, sublime, inspirador de elevados pensamentos. Medita-se ali por força; isola-se a alma dos sentidos pelo suave adormecimento em que eles caem... e Deus, a eternidade — as primitivas e inatas idéias do homem – ficam únicas no seu pensamento...

É assim. Mas um rochedo em que me eu sente ao pôr do sol na gandra erma e selvagem, vestida apenas de pastio bravo, baixo e tosquiado rente pela boca do gado — diz-me coisas da terra e do céu que nenhum outro espetáculo me diz na natureza. Há um vago, um indeciso, um vaporoso naquele quadro que não tem nenhum outro.

Não é o sublime da montanha, nem o augusto do bosque, nem o ameno do vale. Não há aí nada que se determine bem, que se possa definir positivamente. Há a solidão que é uma idéia negativa...

Eu amo a charneca.

E não sou romanesco. Romântico, Deus me livre de o ser — ao menos, o que na algaravia de hoje se entende por essa palavra.

Ora a charneca dentre Cartaxo e Santarém, àquela hora que a passamos, começava a ter esse tom, e a achar-lhe eu esse encanto indefinível.

Sentia-me disposto a fazer versos... a quê? Não sei.

Felizmente que não estava só; e escapei de mais essa caturrice. Mas foi como se os fizesse, os versos, como se os estivesse fazendo, porque me deixei cair num verdadeiro estado poético de distração, de mudez — cessou-me a vida toda de relação, e não sentia existir senão por dentro.

De repente acordou-me do letargo uma voz que bradou: — "Foi aqui!... aqui é que foi, não há dúvida."

— Foi aqui o quê?

— A última revista do imperador.

— A última revista! Como assim a última revista! Quando? Pois?...

Então caí completamente em mim, e recordei-me, com amargura e desconsolação, dos tremendos sacrifícios a que foi condenada esta geração, Deus sabe para quê — Deus sabe se para expiar as faltas de nossos passados, se para comprar a felicidade de nossos vindouros...

O certo é que ali com efeito passara o imperador D. Pedro a sua última revista ao exército liberal. Foi depois da batalha de Almoster, uma das mais lidadas e das mais ensangüentadas daquela triste guerra.

Toda a guerra civil é triste.

E é difícil dizer para quem mais triste, se para o vencedor ou para o vencido.

Ponham de parte questões individuais, e examinem de boa fé: verão que, na totalidade de cada facção em que a Nação se dividiu, os ganhos, se os houve para quem venceu, não balançam os padecimentos, os sacrifícios do passado, e menos que tudo, a responsabilidade pelo futuro...

Eu não sou filósofo. Aos olhos do filósofo, a guerra civil e a guerra estrangeira, tudo são guerras que ele condena — e não mais uma do que a outra... a não ser Hobbes o dito filósofo, o que é coisa muito diferente.

Mas não sou filósofo, eu: estive no campo de Waterloo, sentei-me ao pé do Leão de bronze sobre aquele monte de terra amassado com o sangue de tantos mil, vi – e eram passados vinte anos – vi luzir ainda pela campina os ossos brancos das vítimas que ali se imolaram a não sei quê... Os povos disseram que à liberdade, os reis que à realeza... Nenhuma delas ganhou muito, nem para muito tempo com a tal vitória...

Mas deixemos isso. Estive ali, e senti bater-me o coração com essas recordações, com essas memórias dos grandes feitos e gentilezas que ali se obraram.

Porque será que aqui não sinto senão tristeza?

Porque lutas fratricidas não podem inspirar outro sentimento e porque...

Eu moía comigo só estas amargas reflexões, e toda a beleza da charneca desapareceu diante de mim.

Nesta desagradável disposição de ânimo chegamos à ponte da Asseca.

IX
Prolegômenos dramático-literários, que muito naturalmente levam, apesar de algum rodeio, ao retrospecto e reconsideração do capítulo antecedente. — Livros que não deviam ter títulos, e títulos que não deviam ter livro. — Dos poetas deste século. Bonaparte, Rotschild e Sílvio Pélico. — Chega-se ao fim destas reflexões e à ponte da Asseca. — Tradução portuguesa de um grande poeta. — Origem de um ditado. — Junot na ponte da Asseca. — De como o A. deste livro foi jacobino desde pequeno. — Enguiço que lhe deram. — A Duquesa de Abrantes. — Chega-se enfim ao Vale de Santarém.

Vivia aqui há coisa de cinqüenta para sessenta anos, nesta boa terra de Portugal, um figurão esquisitíssimo que tinha inquestionavelmente o instinto de descobrir assuntos dramáticos nacionais — ainda, às vezes, a arte de desenhar bem o seu quadro, de lhe agrupar, não sem mérito, as figuras: mas ao pô-las em ação, ao colori-las ao fazê-las falar... boas noites! era sensaboria irremediável.

Deixou uma coleção imensa de peças de teatro que ninguém conhece, ou quase ninguém, e que nenhuma sofreria, talvez, representação; mas rara é a que não poderia ser arranjada e apropriada à cena.

Que mina tão rica e fértil para qualquer mediano talento dramático. Que belezas e portuguesas coisas se não podem extrair dos treze volumes — são treze volumes e grandes! — do teatro de Ênio Manuel de Figueiredo! Algumas dessas peças, com bem pouco trabalho, com um diálogo mais vivo, um estilo mais animado, fariam comédias excelentes.

Estão-me a lembrar estas.

O Casamento da Cadeia — ou talvez se chame outra coisa, mas o assunto é este: comédia cujos caracteres são habilmente esboçados, funda-se naquela nossa antiga lei que fazia casar na prisão os que assim se supunha poderem reparar certos danos de reputação feminina.

O Fidalgo de sua casa, sátira mui graciosa de um tão comum vínculo nosso.

As duas educações, belo quadro de costumes: são dois rapazes, ambos estrangeiramente educados, um francês, outro inglês, nenhum português. É eminentemente cômico, frisante, ou, segundo agora se diz à moda, “palpitante de atualidade”.

O Cioso, comédia já remoçada da antiga comédia de Ferreira e que em si tem os germes da mais rica e original composição.

O Avaro dissipador, cujo s[ó título mostra o engenho e invenção de quem tal assunto concebeu: assunto ainda não tratado por nenhum de tantos escritores dramáticos de nação alguma, e que é todavia um vulgar ridículo, todos os dias encontrado no mundo.

São muitas mais, não fica nestas as composições do fertilíssimo escritor que, passadas pelo crivo de melhor gosto, e animadas sobretudo no estilo, fariam um razoável repertório para acudir à mingua dos nossos teatros.

Um dos mais sensabores porém, a que vulgarmente se haverá talvez pela mais sensabor, mas que a mim mais me diverte pela ingenuidade familiar e simpática de seu tom magoado e melancolicamente chocho, é a que tem por título Poeta em anos de prosa.

E foi por esta, foi por amor desta que eu me deixei cair na digressão dramático-literária do princípio deste capítulo; pegou-se-me à pena porque se me tinha pregado na cabeça; e ou o capítulo não saía, ou ela havia de sair primeiro.

Poeta em anos de prosa! Ó Figueiredo, Figueiredo, que grande homem não foste tu, pois imaginaste esse título que só ele em si é um volume! Há livros, e conheço muitos, que não deviam ter título, nem o título é nada neles.

Faz favor de me dizer o de que servem o que significa o Judeu errante posto no frontispício desse interminável e mercatório romance que aí anda pelo mundo, mais errante, mais sem fim, mais imorredoiro que o seu protótipo?

E há títulos também que não deviam ter livro, porque nenhum livro é possível escrever que os desempenhe como eles merecem.

Poeta em anos de prosa é um desses.

Eu não leio nenhuma das raras coisas que hoje se escrevem verdadeiramente belas , isto é, simples, verdadeiras, e por conseqüência sublimes, que não exclame com sincero pesadume cá de dentro: Poeta em anos de prosa!

Pois este é o século para poetas? Ou temos nós poetas para este século?...

Temos sim, eu conheço três: Bonaparte, Sílvio Pélico e o Barão de Rotschild.

O primeiro fez a sua Ilíada com a espada, o segundo coma paciência, o último com o dinheiro.

São os três agentes, as três entidades, as três divindades da época.

OU cortar com Bonaparte, ou comprar com Rotschild, ou sofrer e ter paciência com Sílvio Pélico.

Tudo o que fizer doutra poesia — e doutra prosa também — é tolo...

Vieram-me estas mui judiciosas reflexões a propósito do capítulo antecedente desta minha obra-prima; e lancei-as aqui para instrução e edificação do leitor benévolo. Acabei com elas quando chegamos à ponte da Asseca.

Esquecia-me de dizer que daqueles três grandes poetas só um está traduzido em português — o Rotschild não é literal a tradução, agalegou-se e ficou muito suja de erros de imprensa, mas como não há outra...

Ora donde veio esse nome de Asseca? Algures daqui perto deve de haver sítio, lugar ou coisa que o valha, com o nome de Meca; e daí talvez o admirável rifão português que ainda não foi bem examinado como devia ser, e que decerto encerra algum grande ditame de moral primitiva: andou por Seca (Asseca?) e Meca e Olivais de Santarém, Os tais Olivais ficam logo adiante. É uma etimologia como qualquer outra.

A ponte da Asseca corta uma várzea imensa que há de ser um vasto paul de inverno: ainda agora está a dessangrar-se em água por toda a parte.

É notável na história moderna este sítio. Aqui num recontro com os nossos foi Junot gravemente ferido na cara. Il ne sera plus beau garçon, disse o parlamentário francês que veio depois da ação, tratar, creio eu, de troca de prisioneiros ou de coisa semelhante. Mas enganou-se o parlamentário; Junot ainda ficou muito guapo e gentil-homem depois disso.

Tenho pena de nunca ter visto o Junot nem o Maneta, as duas primeiras notabilidades que ouvi aclamar com tais e cujos nomes conheci... Engano-me; conheci primeiro o nome de Bonaparte. E lembra-me muito bem que nunca me persuadi que ele fosse o monstro disforme e horroroso que nos pintavam frades e velhas naquele tempo. Imaginei sempre que, para excitar tantos ódios e malquerenças, era necessário que fosse um bem grande homem.

Desde pequeno que fui jacobino, já se vê: e de pequeno me custou caro. Levei bons puxões de orelhas de meu pai por comprar na feira de S. Lázaro, no Porto, em vez de gaitinhas ou de registos de santos ou das outras bugigangas que os mais rapazes compravam... não imaginam o quê... um retrato de Bonaparte.

Foi enguiço, diria uma senhora do meu conhecimento que acreditou neles, foi enguiço que ainda não se desfez e que toda a vida me tem perseguido.

Quem me diria quando, por esse primeiro pecado político da minha infância, por esse primeiro tratamento duro e — perdoe-me a respeitada memória de meu santo pais! — injustíssimo, que me trouxe o mero instinto das idéias liberais, que me diria que eu havia de ser perseguido por elas toda a vida! que apenas saído da puberdade havia de ir a essa mesma França, à pátria dessas idéias com que a minha natureza simpatizava sem saber por quê, buscar asilo e guarida?

Não vi já quase nenhum daqueles que tanto desejara conhecer; as ruínas do grande Império estavam dispersas; os seus generais mortos, desterrados, ou trajavam interesseiros e cobardes as librés do vencedor...

De todas as grandes figuras dessa época, a que melhor conheci e tratei foi uma senhora, tipo de graça, de amabilidade e de talento. Pouco foi o nosso trato, mas quanto bastou para me encantar, para me formar no espírito um modelo de valor e merecimento feminino que veio a me fazer muito mal.

Custa depois a encher aquela altura a que se marcou...

Eis aqui como eu fiz esse conhecimento.

Inda o estou vendo, coitado! o pobre do C. do S., nobre, espirituoso, cavalheiro, fazendo-se perdoar todos os seus prejuízos de casta, que tinha como ninguém, por aquela polidez superior e afabilidade elegante que distingue o verdadeiro fidalgo (estilo antigo); inda o estou vendo, já sexagenário, já mais que ci-devant jeune homme, o pesoaço entalado na inflexível gravata, os pés pegando-se-lhe, como os de Ovídio, ao limiar da porta — não que lhos prendessem saudades, senão que lhos paralisava a caquexia incipiente — mas o espírito jovem a reagir e a teimar.

— Vamos! — disse ele — hoje estou bom, sinto-me outro, quero apresentá-lo a Madame de Abrantes . Está tão velha! Isto de mulheres não são como nós, passam muito depressa.

E o desgraçado tremiam-lhe as pernas e sufocava-o a tosse.

Tomamos uma citadine, e fomos com efeito à nova e elegante rua chamada, não impropriamente, a rua de Londres, onde achamos rodeada de todo o esplendor do seu ocaso aquela formosa estrela do Império.

Não quero dizer que era uma beleza, longe disso. Nem bela, nem moça, nem airosa de fazer impressão era a Duquesa de Abrantes. Mas em meia hora de conversação, de trato, descobriam-se-lhe tantas graças, tanto natural, tanta amabilidade, um complexo tão verdadeiro e perfeito da mulher francesa, a mulher mais sedutora do mundo, que involuntariamente se dizia a gente no seu coração: — Como se está bem aqui!

Falamos de Portugal, de Lisboa, do Império, da restauração, da revolução de julho (isto era em 1831), de M. de Lafayette, de Luís Filipe, de Chateaubriand — o seu grande amigo dela — do Sacré Coeur e das suas elegantes devotas (11) — falamos artes, poesia, política... e eu não tinha ânimo para acabar de conversar.

Benévolo e paciente leitor, o que eu tenho decerto ainda é consciência, um resto e consciência: acabemos com estas digressões e perenais divagações minhas. Bem vejo que te deixei parado à minha espera no meio da ponte da Asseca. Perdoa-me por quem és, demos de espora às mulinhas, e vamos que são horas.

Cá estamos num dos mais lindos e deliciosos sítios da terra: o vale de Santarém, pátria dos rouxinóis e das madressilvas, cinta de faias belas e de loureiros viçosos. Disto é que não tem Paris, nem França, nem terra alguma do ocidente senão a nossa terra, e vale bem por tantas, tantas coisas que nos faltam.
Vale de Santarém. — Namora-se o A. de uma janela que vê por entre umas árvores. — Conjeturas várias a respeito da dita janela. — Semelhança do poeta com a mulher namorada, e inquestionável inferioridade do homem que não é poeta. — Os rouxinóis. Reminiscência de Bernadim Ribeiro e das suas Saudades. — De como o A. tinha quase completo os eu romance, menos um vestido branco e uns olhos pretos. — Saem verdes os olhos com grande admiração e pasmo seu. — Verificam-se as conjeturas sobre a misteriosa janela. — Da menina dos rouxinóis. — Censura das damas muito para temer, a crítica dos elegantes muito para rir. — Começa o primeiro episódio dessa odisséia.

O vale de Santarém é um destes lugares privilegiados pela natureza, sítios amenos e deleitosos em que as plantas, o ar, a situação, tudo está numa harmonia suavíssima e perfeita: não há ali nada grandioso nem sublime, mas há uma como simetria de cores, de tons, de disposição em tudo quanto se vê e se sente, que não parece senão que a paz, a saúde, o sossego do espírito e o repouso do coração devem viver ali, reinar ali um reinado de amor e benevolência. As paixões más, os pensamentos mesquinhos, os pesares e as vilezas da vida não podem senão fugir para longe. Imagina-se por aqui o Éden que o primeiro homem habitou com a sua inocência e com a virgindade do seu coração.

À esquerda do vale, e abrigado do norte pela montanha que ali se corta quase a pique, está um maciço de verdura do mais belo viço e variedade. A faia, o freixo, o álamo, entrelaçam os ramos amigos; a madressilva, a musqueta penduram de um a outro suas grinaldas e festões; a congossa, os fetos, a malva-rosa do valado vestem e alcatifam o chão.

Para mais realçar a beleza do quadro, vê-se por entre um claro das árvores a janela meio aberta de uma habitação antiga mas não dilapidada — com certo ar de conforto grosseiro, e carregada na cor pelo tempo e pelos vendavais do sul a que está exposta. A janela é larga e baixa; parece-me mais ornada e também mais antiga que o resto do edifício que todavia mal se vê...

Interessou-me aquela janela.

Quem terá o bom gosto e a fortuna de morar ali?

Parei e pus-me a namorar a janela.

Encantava-me, tinha-me ali como num feitiço.

Pareceu-me entrever uma cortina branca... e um vulto por detrás. Imaginação decerto! Se o vulto fosse feminino!... era completo o romance.

Como há de ser belo ver o pôr o sol daquela janela!...

E ouvir cantar os rouxinóis!...

E ver raiar uma alvorada de maio!...

Se haverá ali quem a aproveite, a deliciosa janela? ... quem aprecie e saiba gozar todo o prazer tranqüilo, todos os santos gozos de alma que parece que lhe andam esvoaçando em torno?

Se for homem é poeta; se é mulher está namorada.

São os dois entes mais parecidos da natureza, o poeta e a mulher namorada; vêem, sentem pensam, falam como a outra gente não vê, não sente não pensa nem fala.

Na maior paixão, no mais acrisolado afeto do homem que não é poeta, entre sempre o seu tanto de vil prosa humana: é liga sem que não se lavra o mais fino do seu oiro. A mulher não; a mulher apaixonada deveras sublima-se. idealiza-se logo, toda ela é poesia, e não há dor física, interesse material, nem deleites sensuais que a façam descer ao positivo da existência prosaica.

Estava eu nestas meditações, começou um rouxinol a mais linda e desgarrada cantiga que há muito tempo me lembra de ouvir.

Era ao pé da dita janela!

E respondeu-lhe logo outro do lado oposto; e travou-se entre ambos um desafio tão regular em estrofes alternadas tão bem medidas, tão acentuadas e perfeitas, que eu fiquei todo dentro do meu romance, esqueci-me de tudo o mais.

Lembrou-me o rouxinol de Bernardim Ribeiro, o que se deixou cair na água de cansado.

O arvoredo, a janela, os rouxinóis... àquela hora, o fim de tarde... o que faltava para completar o romance?

Um vulto feminino que viesse sentar-se àquele balcão — vestido de branco — oh! branco por força... a frente descaída sobre a mão esquerda, o braço direito pendente, os olhos alçados ao céu... De que cor os olhos? Não sei, que importa! É amiudar muito demais a pintura, que deve ser a grandes e largos traços para ser romântica, vaporosa, desenhar-se no vago da idealidade poética.

— Os olhos, os olhos... — disse eu, pensando já alto, e todo no meu êxtase — os olhos... pretos.

— Pois eram verdes!

— Verdes os olhos... dela, do vulto na janela?

— Verdes como duas esmeraldas orientais, transparentes, brilhantes, sem preço.

— Quê! Pois realmente?... É gracejo isso, ou realmente há ali uma mulher, bonita, bonita, e?...

Ali não há ninguém — ninguém que se nomeie hoje, mas houve... oh! houve um anjo, um anjo, que deve estar no céu.

— Bem dizia eu que aquela janela...

— É a janela dos rouxinóis...

— Que lá estão a cantar.

— Estão, esses lá estão ainda como há dez anos — os mesmos ou outros, mas a menina dos rouxinóis foi-se e não voltou.

— A menina dos rouxinóis! Que história é essa? Pois deveras tem uma história aquela janela?

— É um romance todo inteiro, todo feito como dizem os franceses, e conta-se em duas palavras.

— Vamos a ele. A menina dos rouxinóis, menina com os olhos verdes! Deve ser interessantíssimo. Vamos à história já.

— Pois vamos. Apeemo-nos e descansemos um bocado.

Já se vê que este diálogo passava entre mim e outro dos nossos companheiros de viagem.

Apeamo-nos com efeito, sentamo-nos, e eis aqui a história da menina dos rouxinóis, como ela se contou.

É o primeiro episódio da minha odisséia: estou com medo de entrar nele, porque dizem as damas e os elegantes da nossa terra que o português não é bom para isto, que em francês que há outro não sei quê...

Eu creio que as damas que estão mal informadas, e sei que os elegantes que são uns tolos; mas sempre tenho meu receio, porque enfim, enfim, deles me rio eu: mas poesia ou romance, música ou drama de que as mulheres não gostem, é porque não presta.

Ainda assim, belas e amáveis leitoras, entendamo-nos; o que eu vou contar não é um romance, não tem aventuras enredadas, peripécias, situações e incidentes raros; é uma história simples e singela, sinceramente contada e sem pretensão.

Acabemos aqui o capítulo em forma de prólogo; e a matéria do meu conto para o seguinte.

XI
Trata-se do único privilégio dos poetas que também os filósofos quiseram tirar, mas não lhes foi concedido; aos romancistas sim. — Exemplo de Aristóteles e de Anacreonte. — O A., tendo declarado no capítulo nono desta obra que não era filósofo, agora confessa, quase solenemente, que é poeta, e pretende manter-se, como tal, em seu direito.— De como S. M. El-Rei de Dinamarca tinha menos juízo do que Yorick, seu bobo. — Doutrina deste. Funda nela o A. o seu admirável sistema de fisiologia e patologia transcendente do coração. Por uma dedução apertada e cerrada da mais constrangente lógica vem a dar-se no motivo por que foi concedido aos poetas o direito indefinido de andarem sempre namorados.— Aplicam-se todas estas grandes teorias à posição atual do A. no momento de entrar no prometido episódio no capítulo antecedente.— Modéstia e reserva delicada o obrigam a duvidar da sua qualificação para o desempenho: pede votos às amáveis leitoras. Decide-se que a votação não seja nominal, e porquê. — Dido e a mana Anica. — Entra-se enfim na prometida história. — De como a velha estava à porta a dobar, e embaraçando-se-lhe a meada, chamou por Joaninha, sua neta.

Este é o único privilégio dos poetas: que até morrer podem estar namorados. Também não lhes conheço outro. A mais gente tem as suas épocas na vida, fora das quais lhes não é permitido apaixonarem-se. Pretenderam acolher-se ao mesmo benefício os filósofos, mas não lhes foi consentido pela rainha Opinião, que é soberana absoluta e juiz supremo de que se não apela nem agrava ninguém.

Anacreonte cantou, de cabelos brancos, os seus amores, e não se estranhou. Aristóteles mal teria a barba ruça quando foi daquele seu último namoro por que ainda hoje lhe apouqüentam a fama.

Ora eu filósofo seguramente não sou, já o disse; de poeta tenho o meu pouco, padeci, a falar a verdade, meus ataques assaz agudos dessa moléstia, e bem pudera desculpar-me com eles de certas fragilidades de coração... Mas não senhor, não quero desculpar-me como quem tem culpa, senão defender-me como quem tem razão e justiça por si.

Estou, com o meu amigo Yorick, o ajuizadíssimo bobo de el-rei de Dinamarca, o que alguns anos depois ressuscitou em Sterne com tão elegante pena, estou sim. "Toda a minha vida" diz ele "tenho andado apaixonado já por esta já por aquela princesa, e assim hei de ir, espero, até morrer, firmemente persuadido que se algum dia fizer uma ação baixa, mesquinha, nunca há de ser senão no intervalo de uma paixão à outra: nesses interregnos sinto fechar-se-me o coração, esfria-me o sentimento, não acho dez réis que dar a um pobre... por isso fujo às carreiras de semelhante estado; e mal me sinto aceso de novo, sou todo generosidade e benevolência outra vez".

Yorick tem razão, tinha muito mais razão e juízo que seu augusto amo el-rei de Dinamarca. Por pouco mais que se generalize o princípio, fica indisputável, inexcepcionável para sempre e para tudo. O coração humano é como o estômago humano, não pode estar vazio, precisa de alimento sempre: são e generoso só as afeições lho podem dar; o ódio, a inveja e toda a outra paixão má é estímulo que só irrita mas não sustenta. Se a razão e a moral nos mandam abster destas paixões, se as quimeras filosóficas, ou outras, nos vedarem aquelas, que alimento dareis ao coração, que há de ele fazer? Gastar-se sobre si mesmo, consumir-se... Altera-se a vida, apressa-se a dissolução moral da existência, a saúde da alma é impossível.

O que pode viver assim, vive para fazer mal ou para não fazer nada.

Ora o que não ama, que não ama apaixonadamente, seu filho se o tem, sua mãe se a conserva, ou a mulher que prefere a todas, esse homem é o tal, e Deus me livre dele.

Sobretudo que não escreva: há de ser um maçador terrível. Talvez seja este o motivo da indefinida permissão que é dada aos poetas de andarem namorados sempre. O romancista goza do mesmo foro e tem as mesmas obrigações. É como o privilégio de desembargador que tiravam dantes os fidalgos, quando ser desembargador valia alguma coisa... e tanta coisa!

Como hei de eu então, eu que nesta grave Odisséia das minhas viagens tenho de inserir o mais interessante e misterioso episódio de amor que ainda foi contado ou cantado, como hei de eu fazê-lo, eu que já não tenho que amar neste mundo senão uma saudade e uma esperança — um filho no berço e uma mulher na cova?...

Será isto bastante? Dizei-o vós, ó benévolas leitoras, pode com isto só alimentar-se a vida do coração?

— Pode sim.

— Não pode, não.

— Estão divididos os sufrágios: peço votação.

— Nominal?

— Não, não.

— Porquê?

— Porque há muita coisa que a gente pensa e crê e diz assim a conversar, mas que não ousa confessar publicamente, professar aberta e nomeadamente no mundo...

Ah! sim... ele é isso? Bem as entendo, minhas senhoras: reservemos sempre uma saída para os casos difíceis, para as circunstâncias extraordinárias. Não é assim?

Pois o mesmo farei eu.

E posto que hoje, faz hoje um mês, em tal dia como hoje, dia para sempre assinalado na minha vida, me aparecesse uma visão, uma visão celeste que me surpreendeu a alma por um modo novo e estranho, e do qual não podia dizer decerto como a rainha Dido à mana Anica:

Reconheço o queimar da chama antiga
Agnosco veteris vestigia flammae;

posto que a visão passou e desapareceu... mas deixou gravada na alma a certeza de que... Posto que seja assim tudo isto, a confidência não passará daqui, minhas senhoras: tanto basta para se saber que estou suficientemente habilitado para cronista da minha história, e a minha história é esta.

Era no ano de 1832, uma tarde de verão como hoje calmosa, seca, mas o céu puro e desabafado. Á porta dessa casa entre o arvoredo, estava sentada uma velhinha bem passante dos setenta, mas que o não mostrava. Vestia uma espécie de túnica roxa, que apertava na cintura com um largo cinto de couro preto, e que fazia ressair a alvura da cara e das mãos longas, descarnadas, mas não ossudas como usam de ser mãos de velhas; toucava-se com um lenço da mais escrupulosa brancura, e posto de um jeito particular a modo de toalha de freira; um mandil da mesma brancura, que tinha no peito e que afetava, não menos, a forma de um escapulário de monja, completava o estranho vestuário da velha. Estava sentada numa cadeira baixa do mais clássico feitio: textualmente parecia a que serviu de modelo a Rafael para o seu belo quadro da Madonna della Sedia.

Como nota histórica e ilustração artística, seja-me permitido juntar aqui em parêntesis que, não há muito, vi em casa de um sapateiro remendão, em Lisboa, no Bairro Alto, uma cadeira tal e qual; torneados piramidais, simples, sem nobreza, mas elegantes.

Tornemos à velhinha.

Estava ela ali sentada na dita cadeira, e diante de si tinha uma dobadoira, que se movia regularmente com o tirar do fio que lhe vinha ter às mãos e enrolar-se no já crescido novelo.

Era o único sinal de vida que havia em todo esse quadro. Sem isso, velha, cadeira, dobadoira, tudo pareceria uma graciosa escultura de Antônio Ferreira (12) ou um daqueles quadros tão verdadeiros do morgado de Setúbal.

O movimento bem visível da dobadoira era regular, e respondia ao movimento quase imperceptível das mãos da velha. Era regular o movimento, mas durava um minuto e parava, depois ia seguindo outros dois, três minutos, tornava a parar: e nesta regularidade de intermitências se ia alternando como o pulso de um que treme sezões.

Mas a velha não tremia, antes se tinha muito direita e aprumada: o parar do seu lavor era porque o trabalho interior do espírito dobrava, de vez em quando, de intensidade, e lhe suspendia todo o movimento externo. Mas a suspensão era curta e mesurada; reagia a vontade, e a dobadoira tornava a andar.

Os olhos da velha é que tinham uma expressão singular: voltada para o poente, não os tirou dessa direção nem os inclinava de modo algum para a dobadoira que lhe ficava um pouco mais à esquerda. Não pestanejavam, e o azul de suas pupilas, que devia ter sido brilhante como o das safiras, parecia desbotado e sem lume.

O movimento da dobadoira estacou agora de repente, a velha poisou tranqüilamente as mãos e o novelo no regaço, e chamou para dentro da casa:

— Joaninha?

Uma voz doce, pura, mas vibrante, destas vozes que se ouvem rara vez, que retinem dentro da alma e que não esquecem nunca mais, respondeu de dentro:

— Senhora? Eu vou, minha avó, eu vou.

— Querida filha!... Como ela me ouviu logo! Deixa, deixa: vem quando puderes. É a meada que se me embaraçou.

A velha era cega, cega de gota serena, e paciente, resignada como a providência misericordiosa de Deus permite quase sempre que sejam os que neste mundo destinou à dura provança de tão desconsolado martírio.

XII
De como Joaninha desembaraçou a meada da avó e do mais que aconteceu. — Que casta de rapariga era Joaninha. — Dá o A. insigne prova de ingenuidade e boa fé confessando uma grave senão do seu ideal. Insiste porém que é um adorável defeito. — Em que se parece uma mulher desanelada com um Sansão tosquiado. — Pasmosas mostruosidades da natureza que desmentem o credo velhos dos peralvilhos. — Os olhos verdes de Joaninha. — Religião dos olhos pretos estrenuamente professada pelo A. Perigo em que ele se acha à vista de uns olhos verdes. — De como estando a avó e a neta, a conversar muito de mano a mano, chega Frei Dinis e interrompe a conversação. — Quem era Frei Dinis .

— Aqui estou, minha avó: é a sua meada?... Eu lha endireito. — disse Joaninha saindo de dentro, e com os braços abertos para a velha. Apertou-a neles com inefável ternura, beijou-a muitas vezes, e tomando-lhe o novelo das mãos num instante desembaraçou o fio e lho tronou a entregar.

A velha sorria com aquele sorriso satisfeito que exprime os tranqüilos gozos de alma, e que parecia dizer:

— Como eu sou feliz ainda, apesar de velha e de cega! Bendito sejais meu Deus.

Esta última frase, esta benção de um coração agradecido que espira suavemente para o céu como sobe do altar o fumo do incenso consagrado, esta última frase transbordou-lhe e saiu articulada dos lábios.

— Bendito seja Deus, minha filha, minha Joaninha, minha querida neta. E Ele te abençoe também, filha!

— Sabe que mais, minha avó? basta de trabalhar hoje; são horas de merendar.

— Pois merendemos.

Joaninha foi dentro da casa, trouxe uma banquinha redonda, cobriu-a com uma toalha alvíssima, pôs em cima fruta, pão queijo, vinho, chegou-se para o pé da velha, tirou-lhe o novelo da mão e arredou a dobadoira. A velha comeu alguns bagos de um cacho doirado que a neta lhe escolheu e pôs nas mãos, bebeu um trago de vinho, e ficou calada e quieta, mas já sem a mesma expressão de felicidade e contentamento sossegado que ainda agora lhe luzia no rosto.

As animadas feições de Joaninha refletiam simpaticamente a mesma alteração.

Joaninha não era bela, talvez nem galante sequer no sentido popular e expressivo que a palavra tem em português, mas era o tipo de gentileza, o ideal da espiritualidade. Naquele rosto, naquele corpo de dezesseis anos, havia por dom natural e por uma admirável simetria de proporções toda a elegância nobre, todo o desembaraço modesto, toda a flexibilidade graciosa que a arte, o uso e a conversação da corte e da mais escolhida companhia vêm a dar a algumas raras e privilegiadas criaturas no mundo.

Mas nesta foi a natureza que fez tudo, ou quase tudo, e a educação nada ou quase nada.

Poucas mulheres são muito mais baixas, e ela parecia alta: tão delicada, tão élancés era a forma airosa de seu corpo.

E não era o garbo seco e aprumado da perpendicular miss inglesa que parece fundida de uma só peça; não, mas flexível e ondulante como a hástea jovem da árvore que é direta mas dobradiça, forte da vida de toda a seiva com que nasceu, e tenra que a estala qualquer vento forte.

Era branca, mas não desse branco importuno das loiras, nem do branco terso, duro, marmóreo das ruivas — sim daquela modesta alvura de cera que se ilumina de um pálido reflexo de rosa de Bengala.

E doutras rosas, destas rosas-rosas que denunciam toda a franqueza de um sangue que passa livre pelo coração e corre à sua vontade por artérias em que os nervos não dominam, dessas não as havia naquele rosto; rosto sereno como é sereno o mar em dia de calma, porque dorme o vento... Ali dormiam as paixões.

Que se levante a mais ligeira brisa, basta o seu macio bafejo para encrespar a superfície espelhada do mar.

Sussurre o mais ingênuo e suave movimento de alma no primeiro acordar das paixões, e verão como se sobressaltam os músculos agora tão quietos daquela face tranqüila.

O nariz ligeiramente aquilino; a boca pequena e delgada, não cortejava nem desdenhava o sorriso, mas a sua expressão natural e habitual era uma gravidade singela que não tinha a menor aspereza nem doutorice.

Há umas certas boquinhas gravezinhas e espremidinhas pela doutorice que são a mais aborrecidinha coisa e a mais pequinha que Deus permite fazer às suas criaturas fêmeas.

Em perfeita harmonia de cor, de forma e de tom com a fina gentileza destas feições, os cabelos de um castanho tão escuro que tocava em preto, caíam de um lado e outro da face, em três longos, desiguais e mal enrolados canudos, cuja ondada espiral se ia relaxando e diminuindo para a extremidade, até lhe tocarem no colo quase lisos.

Em estilo de arte — no estilo da primeira e da mais bela das belas artes, a toilette — este é um defeito, bem sei.

Que votos, que novenas se não fazem a S. Barômetro nas vésperas de um baile para lhe pedir uma atmosfera seca e benigna que deixe conservar, até à quarta contradança ao menos, a preciosa obra de carapito e ferro quente, de macáçar e mandolina que tanto trabalho e tanto tempo, tantos sustos e cuidados custou!

Bem sei pois que é defeito, é, será... mas que adorável defeito! Que deliciosas imagens que excita de abandono — passe o galicismo — de confiança, de absoluta e generosa renúncia a todo o capricho, de perfeita e completa abdicação de toda a vontade própria!

Em geral, as mulheres parecem ter no cabelo a mesma fé que tinha Sansão: o que nele ia em lhos cortando, cuidam elas que se lhes vai lhos desanelando? Talvez; e eu não estou longe de o crer: canudo inflexível, mulher inflexível.

Os peralvilhos negam a existência do tal carnudo in rerum natura, dizem que é como a ave fênix que nasceu de nossos avós não saberem grego.(13) Eu não digo tal, porque tenho visto descuidar-se a natureza em pasmosas monstruosidades.

Enfim, suspendamos, sem o terminar, o exame desta profunda e interessante questão. Fica adiada para um capítulo ad hoc, e voltemos à minha Joaninha.

Caíam dum lado e de outro da sua face gentil aqueles graciosos anéis; e o resto do cabelo, que era muito, ia entrançar-se e enrolar-se com a singela elegância abaixo da coroa de uma cabeça pequena, estreita e do mais perfeito modelo.

As sobrancelhas, quase pretas também, desenhavam-se numa longa curva de extrema pureza; as pestanas longas e asseadas faziam sombra na altura da face.

Os olhos porém — singular capricho da natureza, que no meo de toda esta harmonia quis lançar uma nota de admirável discordância. Como poderoso e ousado maestro que, no meio das frases mais clássicas e deduzidas da sua composição, atira de repente com um som no meio do ritmo musical... os diletantes arrepiam-se, os professores benzem-se; mas aqueles cujos ouvidos lhes levam ao coração a música e não à cabeça, esses estremecem de admiração e entusiasmo... Os olhos e Joaninha eram verdes... não daquele verde descorado e traidor da raça felina, não daquele verde mau e destingido que não é senão azul imperfeito, não, eram verdes-verdes, puros e brilhantes como esmeraldas do mais subido quilate.

São os mais e mais fascinantes olhos que há.

Eu, que professo a religião dos olhos pretos, que nela nasci e nela espero morrer... que alguma rara vez que me deixei inclinar para a herética pravidade do olho azul, sofri o que é muito bem feito que sofra todo o renegado... eu firme e inabalável, hoje mais que nunca, nos meus princípios, sinceramente persuadido que fora deles não há salvação, eu confesso todavia que uma vez, uma única vez que vi dois dos tais olhos verdes, fiquei alucinado, senti abalar-se pelos fundamentos o meu catolicismo, fugi escandalizado de mim mesmo, e fui retemperar minha fé vacilante, na contemplação das eternas verdades, que só e unicamente se encontram aonde está toda a fé e toda a crença... nuns olhos sinceros e lealmente pretos.

Joaninha porém tinha os olhos verdes; e o efeito desta rara feição naquela fisionomia à primeira vista tão discordante — era em verdade pasmosa. Primeiro fascinava, alucinava, depois fazia uma sensação inexplicável e indecisa que doía e dava prazer ao mesmo tempo; por fim, pouco a pouco, estabelecia-se a corrente magnética tão poderosa, tão carregada, tão incapaz de solução de continuidade, que toda a lembrança de outra coisa desaparecia, e toda a inteligência e toda a vontade eram absorvidas.

Resta só acrescentar — e fica o retrato completo, — um simples vestido azul escuro, cinto e avental preto, e uns sapatinhos com as fitas trançadas em coturno. O pé breve e estreito, o que se adivinhava de perna admirável.

Tal era a ideal e espiritualíssima figura que em pé, encostada à banca onde acabava de comer a boa da velha, contemplava, naquele rosto macerado e apagado, a indizível expressão de tristeza que ele pouco a pouco ia tomando e que toda se refletia, como disse, no semblante da contempladora.

A velha suspirou profundamente, e fazendo como um esforço para se distrair de pensamentos que a afligiam, buscou incertamente com as mãos o novelo da sua meada:

— O meu novelo, filha: não posso estar sem fazer nada, faz-me mal.

— Conversemos , avó.

— Pois conversemos, mas dá-me o meu novelo. Não sei o que é, mas quando não trabalho eu, trabalha não sei o que em mim que me cansa ainda mais. Bem dizem que a ociosidade é o pior lavor.

Joaninha deu-lhe o novelo e pôs-lhe a dobadoira a jeito.

A velha sentiu o que quer que fosse na mão, levou-a à boca e pareceu beijá-la, depois disse:

— Bem vi, Joaninha!

— O quê, minha avó? Que viu?

— Vi, filha, vi... sem ser com os olhos que Deus me cerrou para sempre — louvado seja Ele por tudo! — vi, sentindo esta lágrima tua que me caiu na mão, e que já cá está no peito porque a bebi, Joana. Ó filha, já! É muito cedo para começar, deixa isso para mim que estou costumada: mas tu, tu com dezesseis anos e nenhum desgosto!

— Nenhum, avó! E estamos sozinhas nós duas neste mundo, minha avó nesse estado, eu nesta idade, e...

— E Deus no céu para tomar conta em nós... Mas que é? Olha Joana: eu sinto passos na estrada, vê o que é.

— Não vejo ninguém.

— Mas oiço eu... Espera... é Frei Dinis, conheço-lhe os passos.

Mal a velha acabou de pronunciar este nome, surdiu, de trás de umas oliveiras que ficam na volta da estrada, da banda de Santarém, a figura seca, alta e um tanto curvada de um religioso franciscano que, abordoado em seu pau tosco, arrastando as suas sandálias amarelas e tremendo-lhe na cabeça o seu chapéu alvadio, vinha em direção para elas.

Era Frei Dinis com efeito, o austero guardião de S. Francisco de Santarém.